sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Objeções à Perseverança dos verdadeiros Crentes



Neste tópico estaremos expondo as objeções à doutrina Perseverança do Verdadeiros Crentes, e refutando-as logo em seguida. Estas objeções não são novas, Calvino em suas “Institutas” já lutava contra elas. [1]

VI.1. Primeira objeção

Os arminianos afirmam que a doutrina da perseverança invalida as advertências sobre a necessidade que os crentes tem de se esforçarem para permanecerem na fé (Mt 10:22; Lc 13:24; Jo 8:31; Jo 15:5; 1 Co 16:13; Cl 1:29; Hb 3:14; Tg 2:5; Ap 2:10; Ap 3:11). Para não cairmos no erro arminiano precisamos entender qual é o verdadeiro propósito dessas advertências. O propósito dessas advertências não é para que nos preservemos, mas para agradarmos àquele que graciosamente nos preserva.

Notemos que Deus não se relaciona conosco como se fôssemos máquinas, nem anula a nossa responsabilidade, mas pelo seu poder nos desperta com uma renovada disposição implantada pelo seu Espírito, advertindo-nos pela sua santa Palavra, e apresentando o padrão pelo qual os seus filhos devem viver.

VI.2. Segunda objeção

A segunda objeção arminiana à doutrina da perseverança na salvação, são “os casos de apostasia” que se encontram registrados na Bíblia. O que é “apostasia” e quem são os apóstatas?

Geralmente, são citados por exemplo Judas Iscariotes (Mc 3:14,19; Jo 18:2), Simão o mago (At 8:9-24) e Demas (2 Tm 4:10). Podemos responder a esta objeção fazendo as seguintes observações. Primeiro, a respeito de Judas Iscariotes, a Palavra de Deus é bem clara ao dizer que ele não foi escolhido para a salvação, senão para a perdição (Mt 26:23-25; Jo 6:70-71; 13:18; 13:10-11; 17:12; At 1:16); e quando Jesus “escolheu doze, designando-os como apóstolos”(Mc 3:14, NVI), Ele não os escolheu simultaneamente para a salvação, porque a eleição para salvação já havia ocorrido “antes da fundação do mundo”(Ef 1:4), logo, Jesus escolheu Judas somente para o apostolado, e não para a salvação. Gleason L. Archer concluí acerca de Judas Iscariotes nenhum esforço extraordinário da imaginação poderia fazer dele, em tempo algum, um crente nascido de novo, pouco importando quão convincente tenha sido seu desempenho perante os seus colegas apóstolos. [2]


O segundo caso de apostasia bíblica usado pelos arminianos para expor a sua tese, é o de Simão o mago. Lucas diz que Simão o mago creu em Jesus (At 8:13), contudo esse “crer”, não deve ser interpretado como resultado da fé salvadora, mas da fé temporal ou histórica, que é uma “pura e simples apreensão da verdade, vazia de qualquer propósito moral e espiritual.” [3] A declaração do apóstolo Pedro evidencia que, Simão o mago não possuía a fé salvadora, “porque o seu coração não é reto diante de Deus”(vs.20-21).

O terceiro caso de apostasia bíblica usado pelos arminianos para provar a sua errônea tese, é o caso de Demas (2 Tm 4:10). Demas é mencionado em outras epístolas (Cl 4:12; Fm 24) como colaborador de Paulo, J.N.D. Kelly comentando este verso declara que o motivo da deserção dele não era, aparentemente, a apostasia no sentido rígido, mas, sim, porque amou o presente século. Trata-se, segundo, supõe, de um desejo pela vida mansa e pelo conforto, juntamente com uma declinação de compartilhar das privações de Paulo. [4]

O fato de não querer compartilhar dos sofrimentos de alguém, embora sejam ansiedades legítimas, não deixam neste caso de ser também um pecado de omissão. Mas isto não significa que Demas tenha perdido a sua salvação. Quanto a Judas e Simão o mago, os escritores bíblicos não fazem referência a eles como pessoas regeneradas, nem usam a terminologia comum para dizer que eles em algum momento creram em Cristo como salvador. Dabney acerca estes casos de apostasia observa que “os termos usados aqui, se de fato são um meio para descrever a ordem comum da salvação, poderiam no mínimo ser únicos e incomuns.” [5]

VI.3. Terceira objeção

A terceira objeção que os arminianos usam para evidenciar a sua tese são os textos bíblicos, que segundo eles, ensinam que o verdadeiro crente pode perder a sua salvação. Estudaremos alguns desses textos que aparentam apresentar tal ensino, e verificaremos o que de fato eles ensinam. E se estes textos ensinam esta inverdade arminiana teremos que aceitar que a Palavra de Deus se contradiz, e que de fato ela não é inerrante.

O texto de Mt 13:20-21 acerca do “terreno pedregoso”, é usado pelos arminianos para reforçar a sua tese. Eles afirmam que este é o exemplo de pessoa que se converte, mas que logo em seguida cai da graça! Devemos observar que o tipo do terreno é interpretado por Jesus como sendo “aquele que ouve a palavra e imediatamente a recebe com alegria”(vs.20). Mas Jesus quando interpreta esta parábola para os seus discípulos ele não afirma que este tipo de “solo” é a boa terra, senão que é o terreno pedregoso, inadequado para o plantio.

A semente do evangelho não progride neste terreno, “visto que não tem raiz em si mesmo”(vs.21). Este é caso daquele que possuí uma fé temporal, ou seja, uma “persuasão das verdades religiosas que vem acompanhada de algumas incitações da consciência e de uma agitação dos afetos, mas não tem suas raízes num coração regenerado.” [6] Este não pode cair da graça, pois nunca esteve nela, mas apenas se alegrou em conhecê-la. [7]

Em Gl 5:4 encontramos o termo “cair da graça”, onde os arminianos extraem a expressão do seu contexto, e a enchem de seus pressupostos errados, para ensinar que um crente verdadeiro pode “cair da graça.” Para interpretar este texto com propriedade devemos perguntar o que Paulo quis dizer com “cair da graça”?

O contexto histórico era de que os crentes da Galácia estavam recebendo um ensino diferente do que o apóstolo lhes havia dado (1:9; 5:7-12); judaizantes haviam se infiltrado na igreja, e estavam ensinando uma salvação pelas obras da lei, negando a suficiência da salvação em Cristo Jesus pela graça.

Paulo não fala de “permanecer salvo”, mas de obter a salvação pela graça de Cristo, e não pelas obras da lei. O apóstolo não está falando da possibilidade de se perder a salvação, ou de que os crentes da Galácia perderam a sua salvação. A expressão “caíram da graça” é usada por Paulo para indicar a inútil tentativa de se obter a salvação pela justificação das obras da lei. [8] Murray analisando Gl 5:4 concluí que Paulo não está aqui tratando acerca da questão se um crente pode cair do favor de Deus, e finalmente perecer; antes, ele está falando acerca do distanciamento da pura doutrina da justificação da graça em contraste com a justificação pelas obras da lei. O que Paulo está dizendo na realidade é que se tratamos de nos justificar pelas obras da lei em qualquer modo ou grau, temos abandonado a justificação pela graça, ou caído dela totalmente. Não podemos admitir uma mistura de graça e obras de justificação, é uma ou outra. Se incluímos obras em qualquer grau, então temos abandonado a graça e somos obrigados a praticar toda a lei (Gl 5:3). [9]

A bem conhecida passagem de Hb 6:4-6 é usada pelos arminianos para ensinar que é possível um verdadeiro crente perder a sua salvação. [10] O problema que surge ao interpretar este texto como se referindo aos crentes, é que além da descrição dessas pessoas diferir das expressões usadas no Novo Testamento, seria incomum aplicá-las a pessoas salvas. [11] Analisemos as seguintes expressões, tomando como exemplo Judas Iscariotes:

a) Aqueles que uma vez foram iluminados. [12] Judas foi iluminado, mas não era crente (Mt 22:14; At 17:12). Iluminação não regenera, seu propósito é conceder entendimento acerca das verdades eternas.

b) Tornaram-se participantes do Espírito Santo. O Espírito Santo opera no inconverso através da graça comum, sem todavia, regenerá-lo.

c) Provaram da boa Palavra de Deus. Isto é comum entre aqueles que são aculturados no evangelho. Fazem muitas coisas como o povo de Deus, falam, vestem, e de certo modo até se comportam adotando alguns princípios bíblicos, todavia a Palavra de Deus não habita em seus corações, apenas adorna a suas vidas. Judas durante três anos conseguiu passar como sendo um discípulo, ouvindo o ensino do próprio Senhor. Esteve no evangelho, mas o evangelho nunca esteve nele.

d) Provaram dos poderes do mundo vindouro. Judas ainda participou da missão dos setenta, pregando o evangelho, e até expulsando demônios (Lc 10:17).

e) É impossível renová-los para arrependimento. Se admitirmos que Hb 6:4-6 se refere aos crentes, e da sua possibilidade de perder a salvação, então teremos que aceitar, a afirmação que “é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento”(vs.6). Nem mesmo os arminianos aceitam que isso possa ocorrer. [13]

Tudo o que foi estabelecido não se refere aos crentes, porque no verso 9 ocorre a conjunção (humon), que indica uma mudança de pessoas “eles” (vs.4-8), e “vós outros”(9-12). Sobre os texto de Hb 6:4-6 podemos resumidamente dizer que as pessoas em vista nunca foram regeneradas. Elas apenas provaram a verdade e a vida, só foram expostas à palavra de Deus, mas não experimentaram plenamente essas dádivas celestiais. Elas de fato apostataram, mas das proximidades da verdade espiritual, não do seu centro. [14]

O texto de 2 Pe 2:20-21 é usado pelos arminianos para afirmar que além de caídas da graça, era melhor que essas pessoas nunca estivessem desfrutado dela. Os arminianos pressupõe que o apóstolo Pedro esteja falando dos crentes, contudo, o texto se refere aos falsos profetas e não as pessoas que estavam sendo prejudicadas por eles. [15]

Estes falsos profetas não eram pessoas que desfrutavam da graça da salvação. Primeiro, o apóstolo se refere a eles como pessoas que estavam sob o juízo de Deus (vs.1,3, 10, 12-14, 17). Segundo, porque estes falsos profetas “são escravos da corrupção, pois o homem é escravo daquilo que o domina”(vs.19). E no verso 20, o apóstolo diz que estes falsos profetas estavam “dominados” pelas contaminações do mundo num estado pior do que no princípio, ou seja, antes de conhecerem a Jesus. Eles conheceram apenas intelectualmente a verdade acerca de Jesus, mas não foram transformados por ela.

Pedro descreve estes homens indo de mal a pior, numa crescente corrupção, pois até mesmo o conhecimento de Cristo que eles receberam, somente ampliou o juízo sobre eles (2 Co 2:14-17). Esse conhecimento que tiveram acerca de Jesus, certamente não era um conhecimento salvador. Os dois provérbios usados por Pedro expressam que os pecados a que os falsos mestres haviam tornado eram nojentos, e o fato de haverem caído neles mostrava que, no íntimo, ainda eram maus. A natureza das tais pessoas, em que o pecado se entranhara tão profundamente, não havia sofrido mudança. [16]

Estes textos que foram analisados, ensinam os resultados positivos da Graça Comum na vida de pessoas não regeneradas. [17] Por Graça Comum entendemos “as operações gerais do Espírito Santo pelas quais Ele, sem renovar o coração, exerce tal influência sobre o homem por meio da Sua revelação geral ou especial.”[18] Essas pessoas que experimentam os efeitos da graça comum recebem graciosamente virtudes de Deus (Lc 6:33; Rm 2:14-15; Tg 1:17), sofrem restrições em sua capacidade de pecar (Gn 20:6; 31:7), e a ordem social é mantida, e a justiça civil promovida, sem contudo, serem regeneradas.

VI.4. Quarta objeção

A quarta objeção arminiana à doutrina da perseverança dos santos afirma que esta doutrina torna fútil toda exortação e mandamento bíblico. Respondemos à essa objeção que a doutrina da Perseverança dos Verdadeiros Crentes é um desafio à santidade incessante aos salvos. O fato de sabermos que é pelo poder de Deus que somos mantidos salvos, não produz um sentimento de desobrigação, mas de gratidão sendo traduzido em serviço. Hoekema coloca que “ensinar essa doutrina de modo a apresentar apenas o seu conforto e não o desafio, só a segurança e não a exortação, é ensinar um só lado.” [19]

VI.5. Quinta objeção

A quinta objeção arminiana à doutrina da perseverança, afirma que esta doutrina pode nutrir um sentimento de segurança carnal numa pessoa não convertida. Embora já expomos sobre a segurança (ou certeza) da salvação, nos cabe responder esta objeção. Essa certeza é um aspecto de uma consciência santificada, como resultado de uma vida coerente com a Palavra de Deus. É impossível que uma pessoa não convertida possua a certeza da salvação como um salvo possuí. Primeiro, porque o Espírito Santo não testemunha no coração de um não convertido a real filiação, perdão, nem comunica as demais bençãos divinas da salvação. Segundo, porque a Palavra de Deus possuí um gritante testemunho de reprovação da vida dos inconversos, porque eles são todo pecado. Essa certeza real somente pode desfrutar quem se identifica com Cristo, salvo nele.

VI.6. Sexta objeção

Uma sexta objeção arminiana à doutrina da perseverança dos santos afirma que esta doutrina conduz à uma vida indolente e imoral. (Rm 6:14; Ef 1:4) Um modo popular de se apresentar essa doutrina seria usando a expressão “uma vez salvos, salvos para sempre”. Mas, devemos tomar o devido cuidado para não cairmos na mesma conclusão errônea de R.T. Kendall, que se apresenta como um teólogo calvinista. Kendall acerca desta doutrina coloca que eu afirmo categoricamente que a pessoa que é salva, “que confessa que Jesus é Senhor e crê no seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos,” vai para o céu quando morrer, não importando que obras (ou falta de obras) possam acompanhar tal fé. Em outras palavras, não importa que pecado (ou ausência de obediência cristã) possa acompanhar tal fé. [20]

Essa expressão pode facilmente ser entendida como “uma vez salvos, salvos para sempre, a despeito de como vivemos”. Se não formos bíblicos na exposição dessa doutrina, daremos verdadeira razão para que os arminianos nos acusem de ensinarmos uma doutrina antibíblica que conduz a lassidão moral. John L. Dagg é feliz ao dizer que os que pensam que a doutrina da perseverança implica em o povo de Deus obter a coroa sem esforço estão totalmente enganados. A doutrina da perseverança dos santos afirma que o povo de Deus perseverará na batalha. Supor que a coroa será obtida sem luta é contradizer a doutrina. Torna-se uma fatal e infame perversão da doutrina, quando os homens concluem que, uma vez convertidos, serão salvos, não importando o curso que tomem na vida. [21]

Somos salvos eternamente, do pecado e de suas conseqüências finais. Não salvos para pecar! Quando pecamos não perdemos a nossa salvação. Mas isso não significa que pecamos sem punidade. Todos pecados, mas somente os verdadeiros crentes são disciplinados e restaurados de seus pecados (Hb 12:4-13).

VI.7. Sétima objeção

Uma sétima objeção é que a doutrina da perseverança não se harmoniza com a liberdade humana. Deus não viola a liberdade do ser humano, enquanto este exerce a sua livre agência. Uma não anula a outra, mas harmonizam-se pela perfeição de Deus. Os calvinistas entendem que essa aparente contradição da perseverança, como uma obra de Deus preservar o crente, não anula a liberdade humana, porque na mente de Deus tudo se harmoniza na doutrina do “paradoxo bíblico”.

Podemos ilustrar o relacionamento harmonioso da soberania de Deus com a liberdade humana a partir da doutrina inspiração da Bíblia, crida e aceita pelos evangélicos em geral. O Espírito Santo não consultou os autores para inspirá-los. Ele não forçou-lhes para escreverem. Nem violentou seus sentidos, como a vontade, os sentimentos e pensamentos. E nem mesmo o Espírito de Deus frustrou-se com o resultado da inspiração. Mas houve uma harmonia entre o Espírito de Deus e todos os escritores sacros.

Como a liberdade humana e o decreto de Deus se relacionam é algo não revelado (Dt 29:29). Nossas mentes diminutas não conseguem alcançar os infinitos pensamentos de Deus (Sl 139:6; Rm 11:33-36). Este mistério é uma verdade tão real e oculta quanto a encarnação de Cristo, os milagres, a origem do mal, e a própria santíssima Trindade! A Palavra de Deus não nos revela como a liberdade humana e o decreto de Deus em preservar os crentes, total e finalmente, podem se relacionar de forma harmônica, simplesmente diz que é assim.

VI.8. Oitava objeção

Uma última objeção é que a doutrina da Perseverança dos Verdadeiros Crentes anula a responsabilidade humana. W.E. Best analisando as implicações do conceito arminiano acerca da soberania divina e responsabilidade humana, conclui que aqueles que crêem que a soberania absoluta de Deus e a responsabilidade do homem são contraditórias, tem que aceitar uma das duas perspectivas como errada. Ou, eles fazem ao homem o criador dos eventos, e põe a história em suas mãos; ou eles fazem da história um jogo divino no qual os seres humanos, vazios da responsabilidade, são empurrados como no jogo de damas. [22]

Aceitarmos que tanto a soberania de Deus em preservar, como a responsabilidade humana em obedecer se harmonizam. J.I. Packer sabiamente observa que “Deus não nos ensinou a realidade de Seu governo, a fim de proporcionar-nos uma desculpa para a negligência de Suas ordens”. [23]

Cremos que a perseverança é tanto uma graça, quanto um dever diante da nossa responsabilidade. Por isso A.A. Hodge conclui dizendo que a graça dela [perseverança] deve ser proclamada para o encorajamento à diligência. O dever e a absoluta necessidade dela para a salvação devem ser proclamados para vivificar os indolentes e aumentar em todos o senso do dever. [24]

VI.9. Considerações Finais

Poderíamos perguntar aos arminianos porque Deus não leva para si os salvos, antes que eles percam a sua salvação? Certamente nenhum arminiano ousará afirmar que Deus em sua onisciência não sabe quem há de cair de seu estado de graça, e que Ele não o possa fazê-lo! Ou será que Deus se omitiria diante deste fim tão trágico. [25] Qual seria o mal menor, abreviar o tempo de vida de um salvo, ou deixá-lo ir perecer no inferno?

Se Deus sabe que determinado indivíduo será salvo, e logo depois ele por sua vontade determinante decidir desistir de sua salvação, será que Deus dispensaria à ele o seu precioso amor para se frustrar? Sendo Deus onipotente, realizaria uma salvação, que lhe custaria tamanho sofrimento, e a vida de seu próprio Filho na cruz, sem nenhuma garantia, sem nem ao menos poder fazer nada para impedir que aqueles que Ele tanto amou, caiam do seu amor!

Uma terceira questão que os arminianos não podem se esquivar dela, é como eles podem provar que aquela pessoa que eles afirmam ter perdido a salvação, de fato foi regenerada? Isso é impossível de se constatar, o fato dela ter crido historicamente em Cristo, não significa que ela creu salvadoramente nele (Tg 2:19). Demonstrar virtudes como sinceridade, admiração, respeito, e até mesmo zelo pelas coisas de Deus, pode ser apenas uma cultura adquirida, ensinada, ou imitada, que se traduz numa mera religiosidade sem nunca ter ocorrido o que leva o Cristianismo além dos portões da religiosidade, ou seja, a regeneração!

Com estas considerações finais, como também os pressupostos, e todas as refutações sustentadas pelos arminianos percebemos o quão distante está a mensagem do antigo evangelho deste sistema teológico.

NOTAS:

[1] - Institutas, III. XXIII.
[2] - Gleason L. Archer, Enciclopédia de Dificuldades Bíblicas (São Paulo, Ed. Vida, 1997) p. 451
[3] - Louis Berkhof, Teologia Sistemática, p. 504
[4] - J.N.D. Kelly, 1 e 2 Timóteo e Tito (São Paulo, Ed. Vida Nova, 1986) p. 194
[5] - Robert L. Dabney, Lectures in Systematic Theology, p. 696
[6] - Louis Berkhof, Teologia Sistemática, p. 505
[7] - Berkhof concluí que “a fé temporal se baseia na vida emocional e busca satisfação pessoal, em vez da glória de Deus. p. 505
[8] - John R.W. Stott, A Mensagem de Gálatas (São Paulo, ABU Ed., 1997) p. 122
[9] - John Murray, La Redención Consumada y Aplicada, p. 166
[10] - I. Howard Marshal, Kept by Power of God, pp. 140-147
[11] - Norman Geisler & Thomas Howe, Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e “Contradições” da Bíblia (São Paulo, Ed. Mundo Cristão, 1999) p. 520
[12] - F.F. Bruce seguindo uma versão antiga, e a interpretação de Justino, o Mártir, entende a expressão “iluminados” como sendo “batizados”, La Epístola a los Hebreos (Buenos Aires, Nueva Creación, 1994) p. 121-122. Embora seja possível essa interpretação aqui, não parece que a perícope envolva uso dos sacramentos, mas trata da influência comum da graça.
[13] - Norman Geisler & Thomas Howe, Manual Popular p. 520
[14] - Millard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática (São Paulo, ED. Vida Nova, 1997) p. 427
[15] - A conjunção subordinativa gar (portanto) liga o verso 20 ao anterior, dando continuidade ao assunto, portanto, o sujeito é o mesmo.
[16] - Andrew MacNab, As Epístolas Gerais de Pedro in: O Novo Comentário da Bíblia, p. 1425
[17] - A.A. Hodge, Outlines of Theology, p. 545
[18] - Louis Berkhof, Teologia Sistemática, p. 437
[19] - A.A. Hoekema, Salvos pela Graça, p. 262
[20] - R.T. Kendall, Once Saved, Always Saved, citado por Paulo Anglada, A Confissão de Fé de Westminster é Realmente Calvinista? Uma Avaliação Crítica de “A Modificação Puritana da Teologia de Calvino,” de R.T. Kendall in: Fides Reformata, vol. III, N. 2, Julho-Dezembro 1998, p. 09
[21] - John L. Dagg, Manual de Teologia (São José dos Campos, Ed. Fiel, 1989) p. 236
[22] - W.E. Best, La Libre Gracia en Contra del Libre Albedrío (Houston, W.E. Best Book Missionary Trust, 1992) p. 56
[23] - J.I. Packer, Evangelização e soberania de Deus, p. 26
[24] - A.A. Hodge, Confissão de Fé Westminster – Comentada, p. 320
[25] - Loraine Boettner, La Predestinación, p. 156


Fonte: Este artigo é um pequeno excerto da tese de Bacharelado do Rev. Tokashiki sobre "A Perseverança dos Verdadeiros Crentes".
Monergismo.com

Existem duas vontades em Deus?



O que a Bíblia quer dizer quando fala da vontade de Deus? Deus sempre impõe sua vontade? Pode a vontade de Deus ser resistida ou frustrada? Considere os seguintes textos:

Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado. (Jó 42:2).

Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes? (Dn. 4:35)

No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada. (Sl 115:3; cf Ef. 1:11).

Todavia, dizemos que a vontade de Deus é que todos os homens sejam salvos; (I Tm 2:4) que todos cheguem ao arrependimento (2 Pe 3:9). Como podemos reconciliar essas duas declarações aparentemente contraditórias? Uma reposta é encontrada na distinção entre a vontade preceptiva de Deus e sua vontade decretiva.

Considere Ex. 4:21-23 e a dureza do coração de faraó. Deus, através de Moisés, ordenará que Faraó deixe o povo ir. Esta é a vontadepreceptiva de Deus, isto é, sua vontade de preceito ou ordem. Ela é o que Deus diz que deveria acontecer. Outros fazem referência a isso como a vontade revelada de Deus ou sua vontade moral. Mas Deus também diz que endurecerá o coração de Faraó, de sorte que Faraó recusará a ordem de deixar o povo ir. Esta é a vontade decretiva de Deus, ou seja, sua vontade de decreto ou propósito. O que Deus tem ordenado acontecerá. Ela é também conhecida como sua vontade oculta, ou vontade soberana ou vontade eficiente. “Assim, o que vemos [em Êxodo] é que Deus ordena que Faraó faça algo que a vontade do próprio Deus não permite. A boa coisa que Deus ordena ele impede. E aquilo que ele traz envolve pecado” (John Piper, “Are There Two Wills in God?”, 114). 

Assim, a vontade decretiva de Deus refere-se ao secreto, tudo que engloba seu divino propósito de acordo com o que ele predestinou, seja o que for que venha a acontecer. Sua vontade preceptiva refere-se às ordens e proibições nas Escrituras. Alguém necessita contar com o fato de que Deus pode decretar aquilo que ele tem proibido. Ou seja, a sua vontade preceptiva pode ter ordenado que o evento X deve ocorrer, ao passo que nas Escrituras, a vontade preceptiva de Deus, ordena que o evento X não deva ocorrer.

John Frame coloca isto da seguinte forma:

A vontade de Deus é às vezes frustrada porque ele assim o quer, pois ele tem dado a um dos seus desejos precedência sobre outro. (No Other God, 113) 

Deus não planeja causar tudo o que ele valoriza, mas ele nunca falha em causar tudo o que ele planejou. (113)

Ou novamente: Deus está frequentemente satisfeito em ordenar sua própria insatisfação.

1. Talvez o melhor exemplo seja encontrado em Atos 2:22-23 e 4:27-28. Aqui nós encontramos em certo sentido Deus “desejoso” de entregar seu próprio Filho, enquanto em outro sentido “não desejoso” porque era algo pecaminoso para seus executores cumprirem isto. Como Piper explica, “O desprezo de Herodes por Jesus (Lucas 23:11), a conveniência da covardia de Pilatos (Lucas 23:24), o 'Crucifica-o! Crucifica-o!' dos judeus (Lucas 23:21), e a zombaria dos soldados gentios (Lucas 23:36), também foram atitudes e atos pecaminosos. Ainda em Atos 4:27-28 Lucas expressa seu entendimento da soberania de Deus nestes atos, registrando a oração dos santos de Jerusalém: “porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios as pessoas de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito (boule) predeterminaram”! Herodes, Pilatos, os soldados, e o grupo de judeus levantaram suas mãos para se rebelar contra o Altíssimo somente para provar que a rebelião deles era um serviço inconsciente (pecaminoso) nos inescrutáveis planos de Deus... Portanto, sabemos que não era a “vontade de Deus” que Judas, Pilatos, Herodes, os soldados gentios e os judeus desobedecessem a lei moral, pecando ao entregar Jesus para ser crucificado. Assim, sabemos que Deus, em certo sentido, permite sua vontade e que não permite em outro sentido. (111-112).
O que Deus tem eternamente decretado que acontecerá pode ser o oposto do que ele, nas Escrituras, diz que deve ou não deve acontecer. É importante manter em mente que nossa responsabilidade é obedecer à vontade de Deus revelada, e não especular sobre o que está oculto. Somente raramente, como no caso da profecia preceptiva, Deus nos revela a sua vontade decretiva. Exemplos da vontade preceptiva ourevelada incluem: Ezequiel 18:3; Mateus 6:10; 7:21; Efésios 5:17; e I Tess. 4:3. Algumas também seriam colocadas nesta categoria: I Tm 2:4 e II Pe 3:9. Exemplos da vontade decretiva ou escondida de Deus incluem: Tiago 4:15; I Co 4:19 e Mat 11:25-26. 

(2) Outro exemplo é encontrado em Ap 17:16-17. Claramente “empreender guerra contra o Cordeiro é pecado e pecado contrário à vontade de Deus. Contudo o anjo diz (literalmente), “Porque em seu coração incutiu Deus [os dez reis] que realizem o seu pensamento, o executem a uma e dêem à besta o reino que possuem, até que se cumpram às palavras de Deus” (v.17). Portanto Deus desejou (em um sentido) influenciar os corações dos dez reis de maneira que eles fariam o que era contra sua vontade (em outro sentido)”. (Piper, 112; minha ênfase). 

(3) Em Dt 2:26-27, lemos o pedido de Moisés para que os israelitas pudessem passar através da terra de Seom, rei de Hesbom. Teria sido uma “boa” coisa que aquele rei tivesse permitido. Porém, ele não permitiu porque o Senhor “endureceu seu espírito e obstinou seu coração” (Dt 2:30). Assim, “foi a vontade de Deus (em um sentido) que Seom agisse de uma forma que fosse contrária à vontade de Deus (em outro sentido), ou seja, que Israel fosse abençoado, e não amaldiçoado” (115). 

(4) Muito do mesmo é encontrado em Josué 11:19-20, onde somos informados que o Senhor “endureceu os corações” de todos aqueles em Canaã para resistir à Israel, de maneira que ele, o Senhor, pudesse destruí-los assim como disse que o faria. 

(5) De acordo com I Rs 22:19-23 (II Cr 18:18-22) Acabe estava procurando formar uma aliança com Josafá, rei de Judá, de forma que juntos pudessem atacar Ramote-Gileade, a qual estava sob o controle da Síria. Josafá insistiu para que primeiro eles consultassem o profeta para ver a perspectiva de Deus. Acabe, de outro lado, ajuntou 400 dos seus profetas e disse a eles para atacar Ramote-Gileade e que seriam vitoriosos. Josafá consultou o profeta Micaías, o qual lhe contou a visão que teria tido quando viu o Senhor assentado no seu trono, e todo o exército do céu estava junto a ele. Nesta visão, Deus perguntou quem enganaria a Acabe, para que suba e caia em Ramote-Gileade? Um “espírito” (anjo?) se apresentou para ser o “espírito mentiroso na boca de todos os profetas de Acabe” (v.22). Deus concordou. O espírito foi e assim o fez; Acabe ouviu a voz dos profetas, e foi para a batalha, onde veio a morrer.
Alguns argumentam que o “espírito” era de fato o diabo, todavia, não há indicação disto no texto. O espírito é retratado simplesmente com um em meio aos outros. Não há evidências de que ele tinha uma posição superior ou especial. Seria um anjo caído, um demônio? Provavelmente. Realizou uma função má: incitou os profetas de Acabe a mentir. Apesar do espírito não ser o diabo em si, existem inegáveis paralelos entre este texto e o de Jó 1. Também, a passagem parece atrair uma distinção entre o espírito que inspira os profetas de Acabe e o que inspira Micaías (v. 24). “A implicação é que Micaías e os profetas de Acabe poderiam não ter recebido as mensagens da mesma fonte. Existe, naturalmente, duas fontes distintas, mas é Micaías quem tem a fonte correta. Afinal de contas, é a sua profecia que vem e acontece” (página 79).
Observe que mesmo este espírito demoníaco está absolutamente sujeito à vontade de Deus. É o comando de Deus. Está claro para Micaías que era Deus quem “pôs o espírito mentiroso na boca de todos estes teus profetas; e o Senhor falou o que é mau contra ti” (v.23). Assim Deus pode e frequentemente usa espíritos demoníacos para satisfazer seus propósitos. Novamente, vemos que a pergunta, “Quem fez isto, Deus ou o Diabo?” pode ser respondida, “Sim”. Porém Deus é sempre último. [Um paralelo próximo a essa passagem é encontrado em Juízes 9:23, onde Deus suscitou um espírito de aversão entre Abimeleque e os cidadãos de Siquém.]
O que é importante para o nosso propósito é o fato óbvio de que Deus ordena que suas criaturas não mintam ou enganem. Mentir ou enganar é, portanto, contrário à vontade de Deus. Todas as criaturas de Deus são moralmente obrigadas a dizer a verdade. Todavia, aqui temos um exemplo no qual Deus coloca um espírito enganador nos lábios daqueles homens. Neste sentido, pareceria que as palavras que eles falaram foram de acordo com a vontade de Deus, ao mesmo tempo que, em outro sentido, as palavras que eles falaram foram contra a vontade de Deus. 

(6) Outras citações são encontradas em Rm 11:7-9, 31-32 e Mc 4:11-12. No primeiro texto vemos que “embora seja a ordem de Deus que seu povo veja, ouça e responda em fé” (Is 42:18), contudo, Deus tem suas razões para enviar de vez em quando um espírito de estupor de maneira que sua vontade não seja obedecida” (115). Igualmente, “o ponto em Rm 11:31...é que o endurecimento de Israel por Deus não é um fim em si mesmo, mas é parte de um propósito salvador que abraçará todas as nações. Mas, durante um pouco de tempo, temos que dizer que ele deseja uma condição (endurecimento do coração) que ele ordena que as pessoas lutem contra (Não endureçais vossos corações [Hb 3:8,15; 4:7])” (116). No texto de Marcos, “Deus deseja que uma condição prevaleça sobre uma outra que ele considera repreensível. Sua vontade é que eles se arrependam e creiam no Evangelho (Mc 1:15), mas ele age de forma a restringir a realização dessa vontade” (115). 

(7) Em I Sm 2:22-25 lemos sobre a maldade dos filhos de Eli; a maldade era claramente contra a “vontade” de Deus. A “vontade” revelada de Deus era para que eles ouvissem a voz de seu pai e parassem de pecar. Aprendemos ainda que a razão pela qual eles não obedeciam a Eli (e Deus) era porque “o Senhor os queria matar.” Como Piper nota, “isto faz sentido somente se o Senhor tivesse o direito e o poder para parar a desobediência deles. Um direito e poder que ele desejou não usar. Assim, devemos dizer num sentido que Deus desejou que os filhos de Eli fossem fazer o que ele não ordenou que fizessem; não honrar seu pai e cometer imoralidade sexual” (117). 

(8) Outros exemplos similares ao de I Sm 2 são II Sm 17:14; I Rs 12:9-15; Jz 14:4 e Dt 29:2-4. Estes são todos incidentes, dentre vários outros que poderiam ser citados, onde Deus escolhe (“deseja”) que certos comporamentes aconteçam, os quais ele não ordenou (“não deseja ”) que acontecesse. 

(9) Ainda outro exemplo é encontrado em Gn 50:20. Aqui José diz a seus irmãos, “Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida”. Diz Grudem: “Aqui, a vontade revelada de Deus para os irmãos de José era que os mesmos deveriam amá-lo e não roubá-lo ou vendê-lo como escravo ou intentar plano de matá-lo. Mas a vontade secreta de Deus era que na desobediência dos irmãos de José uma grande coisa seria feita quando José, tendo sido vendido como escravo no Egito, ganhasse autoridade sobre toda a terra e fosse capaz de salvar sua família” (Systematic Theology, 215).

Os Arminianos tem tradicionalmente objetado contra esta distinção entre “duas vontades em Deus” quando diz respeito à questão da salvação individual. Estou pensando em particular na declaração de I Tm 2:4 e II Pe 3:9. Mas “no final os Arminianos também devem dizer que Deus deseja algo mais fortemente do que ele deseja a salvação de todas as pessoas, pois de fato nem todos são salvos”. Os Arminianos afirmam que a razão pela qual nem todos são salvos é que Deus deseja preservar o livre arbítrio dos homens mais do que ele deseja salvar alguém. Mas isto não está fazendo uma distinção entre dois aspectos da vontade de Deus? Por outro lado, a vontade de Deus é que todos sejam salvos (I Tm 2:5-6; II Pe 3:9). Mas também em outro sentido sua vontade é de absolutamente preservar o livre arbítrio. De fato, ele deseja a segunda mais do que a primeira. Portanto, isto significa que os Arminianos também necessitam concordar que em I Tm 2:5-6 e II Pe 3:9 Deus não diz que ele deseja a salvação de todos de uma maneira absoluta e não qualificada – eles também necessitam concordar que os versículos fazem referência a um tipo ou a um aspecto da vontade de Deus (684).

Tanto Calvinistas como Arminianos, portanto, devem concordar que existe algo mais que Deus considera como mais importante que a salvação de todos: “Teólogos reformados dizem que Deus julga sua própria glória mais importante do que a salvação de todos, e que (de acordo com Rm 9) a glória de Deus é também promovida pelo fato de que nem todos são salvos. Os teólogos Arminianos também dizem que algo é mais importante para Deus do que a salvação de todos os homens, a saber, a preservação do livre arbítrio dos homens. De maneira que no sistema reformado o mais alto valor para Deus é sua própria glória, e no sistema Arminiano, o mais alto valor para Deus é o livre arbítrio do homem”. (684).


Adendo: Observações de Edwards


É importante tomar nota da explanação de Jonathan Edwards sobre este ponto:

Quando a distinção é feita entre a vontade revelada de Deus e sua vontade secreta, ou seu desejo de comando ou decreto, a vontade é certamente tomada em dois sentidos: Sua vontade de decreto não é a sua vontade no mesmo sentido que sua vontade de comando. Portanto, não difícil de forma alguma supor, que uma pode ser o contrário da outra: sua vontade em ambos os sentidos é sua inclinação. Mas quando dizemos que ele deseja virtude, ou ama a virtude, ou a felicidade de sua criatura, então através disso, é pretendido que a virtude, ou a felicidade da criatura, absoluta ou simplesmente considerada, está de acordo com a inclinação da sua natureza. Sua vontade de decreto é sua inclinação para uma coisa, não tal para coisa absoluta e simplesmente, mas com respeito à universalidade das coisas que foram, são ou serão. Assim, Deus, embora odeie uma coisa como ela é simplesmente, poder inclinar-se para ela com referência à universalidade das coisas. Embora ele odeie o pecado em si, todavia, ele pode permiti-lo, para a maior promoção de sua santidade nessa universalidade, incluindo todas as coisas, em todos os tempos. Assim, embora ele não tenha nenhuma inclinação para a miséria da criatura, considerada absolutamente, todavia, ele pode desejá-la, para a maior promoção de felicidade nessa universalidade. Deus se inclina para excelência, que é harmonia, mas, todavia, ele pode se inclinar para o sofrimento que não é harmonioso em si, para promoção da harmonia universal, ou para a promoção da harmonia que há na universalidade, e fazê-la brilhar com mais intensidade (Misc., 527-28).

Novamente, ele insiste que:

Não há inconsistência ou contrariedade entre a vontade decretiva e preceptiva de Deus. É bastante consistente supor que Deus possa odiar a coisa em si, e, todavia, desejar que ela aconteça. Sim, eu não receio em afirmar que a coisa em si possa ser contrária à vontade de Deus, e ainda que possa ser agradável que sua vontade venha a acontecer em outro caso. Supor que Deus tem vontades contrárias para com o mesmo objeto, é uma contradição; mas não o é quando se supõe que ele tenha vontades contrárias sobre diferentes objetos. A coisa em si, e que a coisa que deva acontecer, são diferentes, como é evidente; porque é possível que uma possa ser boa e o outra possa ser má. A coisa em si pode ser má, e ainda pode ser bom que ela aconteça. Pode ser bom que uma coisa má aconteça; e frequentemente, muito certamente e inegavelmente, é isso o que acontece, e provado está. (Misc., 542-43)

____________________________________________
por Dr. Sam Storms
Fonte: Monergismo.com

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Jesus ensinava o "Calvinismo Extremado"

Se crer que o homem está “tão morto” [1] no pecado que ele é incapaz de vir a Cristo por si mesmo é “Calvinismo extremado”, então, o Senhor Jesus antecedeu em 1500 anos a Calvino com a Sua pregação na sinagoga em Cafarnaum, registrada em João 6. Aqui temos o Senhor ensinando quase tudo o que Norman Geisler identifica como “Calvinismo extremado”. Jesus ensina que Deus é soberano e age independentemente das "livres escolhas" dos homens. Ele, da mesma forma, ensina que o homem é incapaz de ter a fé salvadora, aparte da capacitação do Pai. Ele então limita este trazer [do Pai, João 6:44] aos mesmos indivíduos dados pelo Pai ao Filho. Ele então ensina a graça irresistível sobre os eleitos (não sobre os “dispostos”) quando Ele afirma que todos aqueles que são dados a Ele, virão a Ele. João 6:37-45 é a mais clara exposição na Bíblia do que EML [Eleitos, Mas Livres] chama de “Calvinismo extremado”. E ainda, EML ignora a maioria das passagens, oferece uma resposta ao versículo 44 que é simplesmente incompreensível, e oferece uma sentença em resposta ao versículo 45. Já vimos que João 6:37 é citado algumas vezes, mas nenhuma interpretação dele é oferecida.

Há uma boa razão porque EML tropeça neste ponto: não há nenhuma exegese não-reformada significante disponível sobre a passagem avaliada. Não obstante as inúmeras tentativas dos exegetas Arminianos de encontrar alguma solução para esses versículos, nem mesmo uma única solução plausível tem sido oferecida que não requeira uma completa desmantelação do texto, uma redefinição das palavras ou uma inserção de conceitos extremamente estranhos. Uma coisa é absolutamente certa: Jesus ensinou a completa soberania da graça às pessoas que estavam reunidas na sinagoga de Cafarnaum, há aproximadamente dois milênios. Se desejarmos honrar a Sua verdade, não podemos fazer menos do que disso.

Ouçamos Jesus ensinar o “Calvinismo extremado” quase 1500 anos antes de Calvino nascer, nas palavras do evangelho de João.

João 6:37-40

"Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles que me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia. Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia."

A despeito da riqueza dessa passagem, um esforço honesto será feito para que sejamos breve no comentário fornecido. [2] O cenário é importante: Jesus fala a uma multidão reunida na sinagoga de Cafarnaum. Eles tinham seguido-O após a alimentação dos cinco mil no dia anterior. Eles estavam buscando mais milagres, e mais alimento. Jesus não saciou as suas "necessidades físicas", mas foi diretamente ao assunto real: quem Ele era e como Ele é o centro da obra de redenção de Deus. Ele identifica-se como o "Pão da Vida" (v. 35), a fonte de todo alimento espiritual. Em nosso cenário moderno, podemos não sentir a força de Suas palavras como eles devem ter sentido naquela manhã. "Quem é este homem para falar dessa forma de Si mesmo?", eles devem ter pensado. Nem mesmo os maiores profetas de Israel instruíram as pessoas a ter fé neles mesmos! Nem mesmo um Abraão ou um Isaías desejaria reivindicar ter descido do céu, nem jamais diriam "aquele que vem a mim, de modo algum terá fome, e quem crê em mim jamais terá sede". Devemos tentar sentir o impacto impetuoso dessas palavras à medida que elas foram faladas.

O bendito Senhor foi totalmente duro com a Sua audiência. Ele sabia que eles não possuíam uma fé verdadeira. "Mas como já vos disse, vós me tendes visto, e contudo não credes" (v. 36). Eles tinham visto-O com os seus olhos, mas a menos que a visão física seja unida com a iluminação espiritual, ela não será de proveito algum. Freqüentemente a importância dessa declaração é negligenciada. O verso 36 é um ponto crítico no capítulo. Jesus agora explica a incredulidade deles. Como é que esses homens poderiam estar diante do próprio Filho de Deus, o Verbo feito carne, e não crer? Qualquer pessoa que não toma seriamente a morte do homem no pecado deveria contemplar essa cena. O próprio Criador em forma humana está diante de homens que eram bem versados nas Escrituras e aponta para a incredulidade deles. Ele então explica o porque e, todavia, pouquíssimos hoje ouvirão e crerão.

Todo o que o Pai me dá virá a mim”. Essas são as primeiras palavras que vieram do Senhor na explicação da incredulidade do homem. Não ousamos nos engajar na brincadeira de amarelinha em cima desse texto e ignorar a própria ordem do ensino que Ele provê. A primeira afirmativa é uma da completa soberania divina. Cada palavra diz muita coisa.

Todo o que o Pai me dá”. O Pai dá alguns a Cristo. Os eleitos são vistos como um todo singular [3] , dados pelo Pai ao Filho [4] . O Pai tem o direto de dar uma pessoa ao Filho. Ele é o soberano Rei, e esta é uma transação divina.

Todos os que são dados pelo Pai ao Filho vêm ao Filho. Não alguns, não muitos, mas todos.

Todos aqueles dados pelo Pai ao Filho virão ao Filho. É vital ver a verdade que é comunicada por essa frase: o ato do Pai dar ao Filho precede e determina a vinda da pessoa a Cristo. A ação de dar pelo Pai vem antes da ação de vir a Cristo pelo indivíduo. E visto que todos daqueles assim dados virão infalivelmente, temos aqui tanto a eleição condicional bem como a graça irresistível, e isto no espaço de nove palavras! Torna-se um óbvio exercício na eisegesis [interpretação pessoal de um texto (especialmente da Bíblia), usando suas próprias idéias; não confundir com exegese] dizer: "Bem, o que o Senhor realmente quis dizer é que todos que o Pai viu que creriam em Cristo, virão a Cristo". Esta é uma declaração sem sentido. Visto que o ato de vir é dependente da ação de dar, podemos ver que simplesmente não é exegeticamente possível dizer que não podemos determinar a relação entre as duas ações. O ato de dar de Deus resulta no vir do homem. A salvação é do Senhor.

Mas note também que é para o Filho que eles virão. Eles não virão para um sistema religioso. Eles virão a Cristo. Esse é um relacionamento pessoal, uma fé pessoal, e, visto que aqueles que vêm são descritos através de toda a passagem pelo particípio do tempo passivo, ela não é apenas uma vinda que acontece uma só vez. Essa é uma fé contínua, um olhar contínuo para Cristo como a fonte da vida espiritual. Os homens a quem o Senhor estavam falando "vieram" a Ele por um tempo: em breve eles O deixariam e não O seguiriam mais. O verdadeiro crente está vindo a Cristo sempre. Essa é a natureza da fé salvadora.

E o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora”. O verdadeiro crente, aquele que "vem" a Cristo, tem essa promessa do Senhor: usando a forma mais forte de negação possível [5] , Jesus afirma a eterna segurança do crente. Jesus é Aquele que dá vida e levanta os Seus no último dia. Ele promete que não há qualquer possibilidade de que alguém que esteja vindo a Ele em verdadeira fé possa encontrá-Lo indisposto para salvá-lo. Mas essa tremenda promessa é a segunda metade de uma sentença. Ela é baseada sobre a verdade que foi primeiramente proclamada. Essa promessa é para aqueles que são dados pelo Pai ao Filho e a ninguém mais. Certamente, veremos no versículo 44 que ninguém senão aqueles que são assim dados, virão a Cristo em fé de qualquer jeito: mas há certamente aqueles que, como muitos daquela audiência em Cafarnaum, estão dispostos a seguir por um tempo, dispostos a crer por um tempo. Essa promessa não é deles.

A promessa aos eleitos, contudo, não pode ser mais preciosa. Visto que Cristo é capaz de salvar perfeitamente (Ele não depende da vontade ou da cooperação do homem), Sua promessa significa que o eleito jamais pode se perder. Visto que Ele não lançará fora, e que não há poder maior do que o Seu, aquele que vem a Cristo encontrará nEle um Salvador todo-suficiente e perfeito. Essa é a única base da "segurança eterna" ou da perseverança dos santos: eles olham para um Salvador que é capaz de salvar. E a capacidade de Cristo para salvar que significa que o redimido não pode se perder. De fato, se houvesse uma relação sinergística, não poderia haver nenhum fundamento para uma absoluta confiança e segurança.

Muitos param no verso 37 e perdem a tremenda revelação que somos privilegiados de receber nos versos seguintes. Por que Cristo nunca lançará fora aqueles que vêm a Ele? O verso 38 começa com uma conjunção que indica uma continuação do pensamento: o verso 38 e 39 explicam o verso 37. Cristo guarda todos aquele que vem a Ele porque Ele está cumprindo a vontade do Pai. “Eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou”. O Messias divino sempre faz a vontade do Pai. O capítulo precedente no Evangelho de João deixa isto muito claro. Há perfeita harmonia entre a obra do Pai e a do Filho.

E qual é a vontade do Pai para o Filho? Em termos simples, a vontade do Pai é que o Filho salve perfeitamente. “E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles que me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia”. É vital lembrar que isso continua a explicação do porque Ele não lança fora aquele que vem a Ele. Devemos ver isso, pois alguém pode ser tentado a dizer que o Pai confiou todas as coisas nas mãos do Filho, e que essa passagem não está dizendo nada mais de que o Filho agirá de forma apropriada com respeito àqueles que o Pai Lhe deu. Mas o contexto é claro: o verso 37 fala do pai "dando" os eleitos ao Filho, e o verso 39 continua o mesmo pensamento. Aqueles que são dados, infalivelmente virão ao Filho no verso 37, e são esses mesmos, os eleitos [6] , que são ressuscitados no último dia. Ressurreição é uma obra de Cristo, e nessa passagem, é comparada com o doar da vida eterna (veja v. 40). Cristo dá vida eterna a todos aqueles que são dados a Ele e que, como resultado, vêm a Ele.

Devemos perguntar ao Arminiano que promove a ideia de que uma pessoa verdadeiramente salva pode se perder: isto não significa que Cristo pode falhar em fazer a vontade do Pai? Se a vontade do Pai para o Filho é que Ele não perca nenhum daqueles que Lhe foram dados, não se segue inexoravelmente que Cristo é capaz de realizar a vontade do Pai? E isto não nos força a crer que o Filho é capaz de salvar sem a introdução da vontade do homem como autoridade final no assunto? Pode algum sinergista (alguém que ensina, como o Dr. Geisler o faz, que a graça de Deus opera "sinergisticamente" e que o livre-arbítrio do homem é uma parte vitalmente importante do processo da salvação, e que nenhum homem é salvo a menos que esse homem deseje isso) crer nessas palavras? Pode alguém que diz que Deus tenta salvar tantos quantos "possível", mas não pode salvar ninguém sem a cooperação do homem, crer no que esse verso ensina? Não é a vontade do Pai que Cristo tente salvar, mas que Elesalve perfeitamente um povo particular. Ele não perderá nenhum de todos aqueles que o Pai lhe deu. Como pode ser isso se, na verdade, a decisão final descansa com o homem, e não com Deus? É a vontade do Pai que resulta na ressurreição para a vida de qualquer indivíduo. Isso é eleição nos mais fortes termos, e ela é ensinada com clareza nas Escrituras.

O verso 39 começa com “A vontade daquele que me enviou é esta”, e o verso 40 faz o mesmo: “A vontade do Pai que me enviou é esta”. Mas no verso 39 temos a vontade do Pai para o Filho. Agora temos a vontade do Pai para o eleito. “Que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia”. Espantosamente, arrancam esse texto fora do seu contexto, se equivocam com a referência ao "todo aquele que vê...todo aquele que crê nEle", e dizem, "Veja, não há eleição divina aqui! Qualquer um pode fazer isso!". Mas é óbvio que, quando o texto é tomado como um todo, esta não é a intenção da passagem. Quem é aquele que "vê" o Filho e "crê" nEle? Ambos os termos estão no presente particípio, referindo-se a uma ação contínua, da mesma forma como vimos na "vinda de alguém" a Cristo no verso 37. Jesus ressuscitará no último dia todos aqueles que Lhe foram dados (v. 39) e todos aqueles que estão olhando e crendo nEle (v. 40). Devemos crer que há grupos diferentes? Certamente que não. Jesus ressuscita somente um grupo para a vida eterna. Mas visto que isso é assim, não se segue que todos aqueles dados a Ele olharão para Ele e crerão nEle? Mais do que certo que sim. A fé salvadora, então, é exercida por todos aqueles dados ao Filho pelo Pai (uma das razões pelas quais, como veremos, a Bíblia afirma claramente que a fé salvadora é um dom de Deus).

João 6:41-45

"Murmuravam, pois, dele os judeus, porque dissera: Eu sou o pão que desceu do céu; e perguntavam: Não é Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? Como, pois, diz agora: Desci do céu? Respondeu-lhes Jesus: Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos profetas: E serão todos ensinados por Deus. Portanto todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu vem a mim."

Os judeus estavam murmurando por causa desse ponto no discurso: eles rejeitaram a Sua reivindicação de origem divina, assumindo em vez disso que Ele era apenas um mero homem, o filho de José. Jesus não se desvia de Sua apresentação por causa dos pensamentos e confusão vagueadoras deles. Ele os instrui a parar de murmurar (v. 43) e então explica a incredulidade persistente deles.

Ninguém pode vir a mim”. Literalmente Jesus diz: "Nenhum homem é capaz de vir a mim". Essas são palavras de incapacidade e elas são colocadas num contexto universal. Todos os homens compartilham isso em comum: eles são carentes da capacidade de vir a Cristo em e de si mesmos. A incapacidade compartilhada é devido a uma natureza caída compartilhada.  Isto é o "morto em pecado" (Efésios 2:1) e "incapaz de agradar a Deus" (Romanos 8:8) de Paulo. É a doutrina Reformada da depravação total: a incapacidade do homem ensinada pelo Senhor que conhece os corações de todos os homens. Se o texto terminasse aqui, não haveria nenhuma esperança, nenhuma boas novas. Mas ele não pára aqui.

"Ninguém pode vir a mim, a menos que o Pai que Me enviou, o traga" [versão do autor - New American Standard Version]. As boas novas é que há um "a menos" em João 6:44, assim como há um "Mas Deus" em Efésios 2:4. Em ambos os casos não é o livre-arbítrio do homem que vem para salvar, mas o livre-arbítrio de Deus. Todos os homens seriam deixados numa posição sem esperança de "incapacidade para vir" a menos que Deus aja, e Ele o faz trazendo os homens a Cristo. Fora desta capacitação divina (conforme 6:65) nenhum homem pode vir a Cristo. Nenhum homem pode "querer" vir a Cristo fora desse trazer divino.

Certamente, a resposta imediata de muitos é, "Sim, deveras, Deus deve prover algum tipo de graça preveniente, algum tipo de trazer, antes que alguém possa escolher crer". Mas é isto o que o texto está dizendo? Lembre-se que essas palavras vêm imediatamente após a afirmação de que todos que o Pai dá ao Filho, virão ao Filho (v. 37). Os eruditos Reformados afirmam que aqueles que são trazidos são aqueles que são dados pelo Pai ao Filho: isto é, os eleitos. Eles apontam para o contexto imediato que identifica aqueles que vêm a Cristo como os eleitos. Mas o resto do versículo 44 explica porque isso deve ser assim: "e Eu o ressuscitarei no último dia". Quem Jesus ressuscitará no último dia? O verso 39 diz que Ele ressuscitará todos aqueles dados a Ele pelo Pai; o verso 40 diz que Ele ressuscitará todos aqueles que estão olhando e crendo nEle; o verso 44 diz que Ele ressuscitará todos aqueles que são trazidos pelo Pai. A identidade daqueles ressuscitados no último dia para a vida eterna é absolutamente co-extensiva com a identidade daqueles que são trazidos! Se uma pessoa é trazida, ela será também ressuscitada para a vida eterna. Obviamente, então, não pode ser afirmado que Cristo, neste contexto, está dizendo que o Pai está trazendo todo ser humano em particular, porque 1) o contexto limita isto àqueles dados pelo Pai ao Filho, 2) esta passagem ainda está explicando a incredulidade dos Judeus, a qual não teria nenhum sentido se de fato o Pai está trazendo esses incrédulos a Jesus, e 2) se assim fosse, o universalismo seria o resultado, porque todos que são trazidos são da mesma forma ressuscitados no último dia.

João Calvino é admitido, até mesmo por seus inimigos, ter sido um tremendo exegeta das Escrituras. Claros e criteriosos, os comentários de Calvino continuam a ter nesses dias grande utilidade e benefício para o estudante das Escrituras. Aqui está seu comentário sobre João 6:44:

Vir a Cristo sendo aqui usado metaforicamente para crer, o Evangelista, a fim de colocar a metáfora na cláusula adequada, diz que as pessoas que são trazidas são aquelas cujos entendimentos Deus iluminou e cujos corações Ele dirigiu e transformou à obediência de Cristo. A declaração se resume nisto: que não devemos nos maravilhar se muitos recusam abraçar o Evangelho; porque nenhum homem jamais será de si mesmo capaz de vir a Cristo, mas Deus deve primeiro trazê-lo pelo Seu Espírito; e, portanto, segue-se que nem todos são trazidos, mas que Deus concede essa graça àqueles que Ele elegeu. É verdade, todavia, com respeito ao tipo desse trazer, que ele não é violento, de forma que compele os homens por uma força externa; mas ainda é um impulso poderoso do Espírito Santo, que faz com que os homens que anteriormente eram indispostos e relutantes, sejam dispostos. É uma falsa e profana afirmação, portanto, dizer que ninguém é trazido, senão aqueles que estão dispostos a serem trazidos, como se o homem por si mesmo se fizesse obediente a Deus por seus próprios esforços; porque a disposição com a qual os homens seguem a Deus é o que eles já tinham por si mesmos, que foi formada em seus corações para obedecê-Lo". [7]

Jesus continua esse pensamento no verso 45, citando uma profecia de Isaías, e diz: “Todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu vem a mim”. Ouvir e aprender do Pai é paralelo com ser trazido no verso 44. Jesus usou o mesmo tipo de terminologia quando Ele ensinou que somente aqueles que "pertencem a Deus" podem ouvir Suas palavras (João 8:47).

Resumindo, então, Jesus certamente ensinou a absoluta soberania de Deus, a incapacidade do homem, a eleição incondicional de um povo para salvação, a graça eficiente de Deus que infalivelmente traz salvação aos eleitos e a perseverança final desses eleitos para a vida eterna. Esse é um dos textos chaves que apoiam a posição Reformada identificada como "Calvinismo extremado" em EML.

A Resposta de EML

Assim como com todas as outras passagens chaves (Romanos 8,9, Efésios 1 e João 6), EML não oferece nenhum exegese da passagem baseada contextualmente e cuidadosamente. Vimos na introdução que João 6:37, embora citado, nunca é discutido. Nada é dito sobre seu testemunho da eleição incondicional ou da graça irresistível. Ele é simplesmente ignorado. O livro é coberto de reivindicações de apresentar um estudo definido do assunto da soberania divina e do livre arbítrio. Tal estudo requereria uma obra extensiva sobre aquelas passagens chaves. Nada é oferecido, e o que é oferecido não é exegético em sua natureza.

Somente três argumentos são oferecidos no livro em resposta a João 6:44, e um a João 6:45. Visto que a relação ao restante da passagem não é nem mesmo mencionada, não é surpresa que as passagens não sejam analisadas exegeticamente dentro do seu contexto. De fato, pouco é dito sobre as reais palavras do texto. Em vez disso, o significado claro é explicado fazendo-se referências a outras passagens. Comecemos com João 6:44:

Em segundo lugar, João 12:32 deixa claro que a palavra "atrair" não pode significar "graça irresistível" sobre o eleito por uma simples razão: Jesus disse: "Mas eu, quando for levantado da terra, atraireitodos a mim". Nenhum calvinista autêntico crê que todos os homens serão salvos. [8]

Esta é a resposta mais comum: ao invés de seguirem o curso do sermão entregue por Jesus, os Arminianos imediatamente abandonam João 6 e citam João 12:32. O significado de "atrair" [ou "trazer" - no inglês a palavra usada em João 6:44 e João 12:32 é a mesma, ou seja, "draw"], totalmente discernível a partir do texto de João 6, é lida a partir de um significado assumido em João 12. Este é um método faltoso de exegese por muitos motivos. Mas mesmo aqui, a tentativa dos Arminianos falha, porque João 12:32 não ensina o universalismo mais do que João 6:44 o faz. Note o contexto da passagem:

"Ora, entre os que tinham subido a adorar na festa havia alguns gregos. Estes, pois, dirigiram-se a Felipe, que era de Betsaida da Galiléia, e rogaram-lhe, dizendo: Senhor, queríamos ver a Jesus. Felipe foi dizê-lo a André, e então André e Felipe foram dizê-lo a Jesus." (João 12:20-22)

João 12 narra os eventos finais do ministério público de Jesus. Depois desse incidente particular, o Senhor passaria um período de ministério privado aos Seus discípulos exatamente antes dEle ir a cruz. As palavras finais do ensino público do Senhor são estimuladas pela chegada dos gregos que estavam procurando Jesus. Essa importante mudança de eventos causa o ensino que se segue. Jesus está agora sendo procurado pelos não-judeus, os gentios. É quando Jesus é informado sobre isso que Ele diz, "É chegada a hora de ser glorificado o Filho do homem."

Este, então, é o contexto que nos leva às palavras de Jesus no verso 32:

"Agora a minha alma está perturbada; e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas para isto vim a esta hora. Pai, glorifica o teu nome. Veio, então, do céu esta voz: Já o tenho glorificado, e outra vez o glorificarei. A multidão, pois, que ali estava, e que a ouvira, dizia ter havido um trovão; outros diziam: Um anjo lhe falou. Respondeu Jesus: Não veio esta voz por minha causa, mas por causa de vós. Agora é o juízo deste mundo; agora será expulso o príncipe deste mundo. E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim. Isto dizia, significando de que modo havia de morrer." (João 12:27-33)

Há duas chaves para se entender porque o que os Arminianos entendem dessa passagem é extremamente indefensável: a primeira é que temos que ver que foi a chegada dos gregos procurando Jesus que ocasionou essas palavras. Os exegetas reformados crêem que "todos" se referem aos judeus e gentios, não a cada indivíduo particularmente, e o contexto aponta para essa direção. Mas mais devastadora para o entendimento Arminiano é uma simples questão: a cruz atrai todas as pessoas individualmente? É isso o que a Bíblia realmente ensina sobre a cruz? Certamente que não! A cruz é loucura para os gentios e uma pedra de tropeço para os judeus, como Paulo ensinou:

"Pois, enquanto os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria, nós pregamos a Cristo crucificado, que é pedra de tropeço para os judeus, e loucura para os gregos, mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo, poder de Deus, e sabedoria de Deus." (1 Coríntios 1:22-24)

Paulo conhecia essa verdade da mesma forma como Jesus a ensinou: "para os que são chamados, tanto judeus como gregos... ". Para quem Cristo é o poder e a sabedoria de Deus? Para "os chamados". O que é a pregação da cruz para aqueles que são chamados? Algo que os atrai [ou traz], ou que os repele? A resposta é óbvia. A cruz de Cristo é loucura para o mundo. Essas considerações, juntamente com o contexto imediato dos gentios procurando Cristo, deixa claro que Jesus estava dizendo que se Ele fosse levantado na crucificação, Ele traria todos os homens, judeus e gentios, para si mesmo. Isso é o mesmo que dizer que havia ovelhas que não eram daquele rebanho (João 10:16), os gentios, que se tornaram um corpo em Cristo (Efésios 2:13-16).

Finalmente, se lemos essa errante interpretação de João 12:32 apoiada em João 6:44 (e para fazer assim, requere-se algum tipo de demonstração de que a simples palavra "atrair" [trazer] deve ter o mesmo exato significado e objetos em ambos os contextos, algo que EML nem mesmo tenta provar) faremos exatamente como Geisler afirma: criaremos o universalismo, mas não porque a visão Reformada é um erro. Já temos visto que todos que são trazidos são também ressuscitados no último dia. Ao invés de usar esse argumento para derrubar o claro ensinamento de 6:44, EML deveria ver que o grupo que está sendo traído não é cada indivíduo em particular, mas os eleitos (como indicado pelo contexto), e que o resultado é deveras a visão Reformada da graça irresistível:

Em terceiro lugar, a palavra "todos" não pode significar somente alguns homens em João 12.32. Pouco antes (João 2:24,25), quando Jesus afirmou conhecer a "todos", estava claro que não se referia apenas aos eleitos. Por que, então, deveria "todos" significar "alguns" em João 12:32? Se quisesse dizer "alguns", facilmente teria feito assim. [9]

Novamente, esse tipo de argumentação é completamente falaciosa. Primeiro, João diz que Jesus "conhecia todos os homens", não apenas "todos os homens pecaminosos". Essa é simplesmente uma leitura incorreta do texto. Em segundo lugar, EML não tenta provar que a frase "todos os homens" em João 2:24 é para ser entendida como sinônimo com o uso dela em João 12:32.

Finalmente, o fato de ser atraídos por Deus estava condicionado à fé. O contexto dessa atração (6:37) é "aquele que crê" (6:35) ou "todo o que nele crer" (6:40). Os que crêem que são capacitados por Deus para ser atraídos a Jesus. Jesus acrescenta: "É por isso que eu lhes disse que ninguém pode vir a mim, a não ser que isto lhe seja dado pelo Pai" (6:65). Um pouco depois, ele diz: "Se alguém decidir fazer a vontade de Deus, descobrirá se o meu ensino vem de Deus ou se falo por mim mesmo" (João 7:17). Disso fica evidente que o entendimento que possuíam do ensino de Jesus e de serem atraídos ao Pai resultam da própria livre escolha deles.

Como vimos com Romanos 9:16, é simplesmente impressionante que uma passagem que é tão diretamente contraditória à teoria Arminiana do livre-arbítrio possa ser transformada numa afirmação de "livre escolha". De todas as declarações em EML, admitimos que esta é uma das mais difíceis de entender, porque ela tem a menor conexão possível com o assunto que supostamente está tratando. Lembre-se que esse verso começa com a frase, " Ninguém pode vir a mim", e todavia, a primeira linha da resposta é, "Finalmente, o fato de ser atraídos por Deus estava condicionado à fé." Esta afirmação sem fundamento não tem conexão com o texto, seja qual for, e a tentativa de prová-la somente compõe o erro eisegético. Dado que esta é uma passagem vital e a resposta tão indicativa da incapacidade dos escritores Arminianos de manuseá-lo, apontaremos cada erro como ele é apresentado:

O contexto dessa atração (6:37) é "aquele que crê" (6:35) ou "todo o que nele crer" (6:40).

Realmente, a palavra "trazer" não aparece em 6:37; ao invés disso, esse verso (que não recebe resposta em EML) diz que o Pai dá um povo ao Filho, e como resultado disso, aquele povo infalivelmente, sem fracasso, vem ao Filho. Esse verso definitivamente fornece um importante elemento do contexto: um ignorado por EML. Somos informados que esse contexto é "aquele que crê" (6:35) ou "todo o que crer" (6:40). Temos visto que aqueles que crêem assim o fazem, nesse texto, porque o Pai lhes deu ao Filho. Temos visto que Jesus está explicando porque esses homens não crêem (6:36). Esses elementos contextuais são ignorados por EML. Ao invés disso, a importantíssima afirmação do livre-arbítrio é inserida na passagem sem nenhuma tentativa de prover um fundamento para assim o fazer. Mas isso é seguido com a mais impressionante de todas as afirmações em EML:

Os que crêem que são capacitados por Deus para ser atraídos a Jesus.

Para ser honesto, essa sentença não faz nenhum sentido. Ela soa como se estivesse dizendo que ser "trazido" a Deus não é salvífico: isto é, é mais parecida com um "trazer para mais perto de Deus" em devoção ou alguma coisa semelhante. Em qualquer caso, o significado certamente não tem nada a ver com o texto: obviamente, vir a Cristo é crer nEle: eles são sinônimos em João. Assim, essa passagem não está dizendo que Deus "traz" crentes para uma relação mais íntima com Cristo. Pelo contrário, ela está dizendo que ninguém é capaz de vir a Cristo em fé, a menos que seja trazido pelo Pai, e quetodos que são trazidos serão ressuscitados, porque todos que o Pai dá ao Filho, virão ao Filho com fé salvadora. Esta vinda é obviamente o ato da fé salvadora, porque Jesus diz que aquele que vir a Ele, Ele não lançará fora.

Além do mais, deve ser assinalado que não há nada na passagem sobre fé acontecendo antes do ser trazido: o trazer resulta em fé. Não há nada no texto sobre Deus capacitando dos homens a serem trazidos. Deus traz, ponto. Não podemos fazer nada, senão apontar quão completamente inversa a essa interpretação é a do texto real. Mas, continuemos:

"E continuou: Por isso vos disse que ninguém pode vir a mim, a não ser que isto lhe seja dado pelo Pai". (João 6:65)

Esta é simplesmente uma redeclaração de 6:44 com a mudança de "dado" (NASB: "lhe concedido"; como na ARC e na ARA) por "trazido". Em ambos os casos a mesma verdade está sendo apresentada. O que é perdido na citação é o fato que Jesus "está dizendo" isto, usando o tempo perfeito, indicando que Ele estava repetindo isto. Os discípulos tinham ido embora, e Jesus explica a deserção e incredulidade da multidão da mesma forma como antes: ninguém pode vir a mim, a não ser que lhe seja concedido pelo Pai. E já temos visto que o pai concede isto aos eleitos de Deus somente.

Um pouco depois Ele diz: "Se alguém quiser fazer a vontade de Deus, há de saber se a doutrina é dele, ou se eu falo por mim mesmo". (João 7:17)

O contexto de João 7 é completamente diferente, e nenhuma tentativa é feita para explicar o porque os dois versos são relevantes um ao outro. Mas aparte disso, é evidente que a idéia é que pecadores podem "livremente" fazer a vontade de Deus. E justamente quem escolherá fazer isso? Aqueles que foram dados pelo Pai ao Filho. Aqueles que não são dos eleitos nem mesmo ouvem Suas palavras,

Disso fica evidente que o entendimento que possuíam do ensino de Jesus e de serem atraídos ao Pai resultam da própria livre-escolha deles.

Não temos idéia de como essa declaração pode ser logicamente conectada, mesmo através da mais tortuosa linha de raciocínio, com o texto que está sendo examinado. Como alguém pode partir de "ninguém pode" e chegar até "resultam da própria livre-escolha deles", não podemos dizer. Não podemos nem mesmo imaginar o que é se quer dizer por "entendimento que possuíam". Essa é uma referência a João 6 ou João 7? "Entender ensino" e "ser trazido" são duas coisas completamente diferentes de dois contextos completamente diferentes, todavia, eles são unidos impressionantemente numa conclusão confusa que brada a palavra "eisegese".

EML falha completamente em prover uma resposta a esta gloriosa passagem que ensina a graça soberana com grande simplicidade. E dado o mau uso de outras passagens já citados (Mateus 23:37, 1 Timóteo 2:4, 2 Pedro 3:9), pode verdadeiramente ser dito que EML não tem base exegética sobre a qual se fundamentar.

____________________
Notas:

[1] Eleitos, Mas Livres , página 47.
[2] O leitor pode consultar minha breve obra, Trazido pelo Pai (Crowne Publications, 1991), para uma exegese mais completa desta tremenda passagem.
[3] A forma neutra é usada quando o grupo inteiro está em vista; quando cada pessoa individualmente está em vista com referência a sua resposta de fé, o masculino particípio é usado, mostrando o elemento pessoal da fé.
[4] Dois tempos são usados pelo Senhor nesta passagem: aqui o tempo presente é usado, "todo o que Pai me dá ..."No verso 39, contudo, o tempo perfeito é usado, "todos aqueles que Ele me deu..."
[5] Aqui ocorre o aoristo subjuntivo de forte negação,  "Eu nunca lançarei fora". A idéia é a negação enfática da possibilidade de um evento futuro.
[6] Jesus usa o neutro novamente para se referir aos eleitos como um grupo inteiro, embora o fato de que este grupo é formado de indivíduos seja visto em sua ressurreição para vida e na sua vinda individual a Cristo.
[7] João Calvino, Comentário sobre o Evangelho de João, A Coleção Completa de João Calvino (Ages Digital Library, 1998)
[8] Eleitos, Mas Livres , página 93.
[9] Ibid.

***
Extraído e traduzido do livro A Liberdade do Oleiro [Uma Defesa da Reforma e uma Refutação de Eleitos, Mas Livres de Norman Geisler] - Capítulo 7.

por James R. White
Fonte: Monergismo

O Reino Milenial de Cristo

Haverá verdadeiramente um reino milenial depois que Cristo voltar? (Expondo as verdades da doutrina Amilenista) Apocalipse 20:1-1...