segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Sobre "Atos Proféticos"


O que é um esotérico?
É a pessoa que busca interpretar o sentido oculto das coisas, especialmente a interpretação que liga as coisas naturais com o sobrenatural. Neste sentido, parece haver um pouco de esoterismo no meio evangélico que atribui poderes a certos elementos da natureza. Práticas esotéricas são quando se atribui poder sobrenatural a certos elementos como a água, o óleo e o sal grosso. Neste sentido, como existem igrejas esotéricas!
É possível um verdadeiro crente trilhar os passos do esoterismo de maneira inconsciente, já que alguns dos elementos naturais que fazem parte da fé podem ser mal-interpretados e mal-empregados na vida do cristão. Especialmente porque o mundo espiritual – tudo que há no âmbito da mística ou da fé – sejam semelhantes entre si. Assim, concede-se poder a um copo de água deixado sobre o rádio ou a tevê; ao óleo consagrado na sexta-feira santa e até mesmo aos elementos da ceia, como o pão e o vinho. Como diferenciar entre uma coisa esotérica que é mística e transcendental, de outra que não é esotérica, mas que também é mística e transcendental? Pois o mundo espiritual é místico e o entendimento do que é espiritual transcende a esfera da razão e do intelecto.
A primeira coisa é entender a palavra de Deus com o entendimento da razão e com o entendimento da fé. Quando se busca entender o mundo espiritual apelando-se apenas para a razão, ou buscando-se entender a Bíblia com o intelecto, a pessoa nada entenderá. É preciso fé para entendê-la. Resulta que os dois campos, o da mística e o da razão precisam andar lado a lado na compreensão das coisas espirituais. Quando se caminha apenas na trilha da fé, tende-se a ser místico, evoluindo de tal maneira na transcendentalidade a ponto de perder o verdadeiro sentido da palavra de Deus. E quando se caminha apenas pelo intelecto, perde-se o seu sentido místico e transcendental. Razão e fé caminham juntas na vida cristão, sem, no entanto levar o crente a ser um esotérico.
Quando se vive apenas no campo do intelecto e do pragmatismo perde-se a essência da fé; e quando se anda apenas no campo da fé da mística, perde-se a essência da razão. É esta falta de entendimento que leva muitos crentes, por exemplo, a acharem que Deus só se manifesta de uma maneira; e que o tipo de culto que prestam a Deus é o mais correto e bíblico. Para entender melhor o tema, será preciso conduzir o leitor a refletir sobre algumas questões bíblicas, especialmente na área da fé e da razão, da mística e da palavra de Deus.
O leitor deve analisar o tema fazendo-se a seguinte pergunta: como Deus se manifestou aos pais no passado? É uma pergunta inteligente, mas sua resposta plena depende da fé. Já nesta pergunta os dois elementos, fé e razão encontram-se presentes.
Atos proféticos.
Os evangélicos partem para o esoterismo quando, a partir de casos bíblicos em que certos elementos são usados, passam a usá-los como se fossem práticas normais. Já ouvi alguém afirmar que os elementos místicos que alguns usam em religiões de ocultismo pertencem a igreja e que estão sendo usadas por eles, roubadas que foram de nós. Assim, despejar sal grosso numa esquina, não deveria ser direito deles, mas da igreja. Ungir com óleo uma rua, cidade ou país é direito da igreja que foi roubado por eles. Usar certos elementos para “ponto de contato” é direito da igreja e não do ocultismo. Em que baseiam essas suposições? Em algumas experiências do passado, especialmente do AT. Uma rosa “ungida”, um copo de água, óleo especial “ungido” e até incenso são elementos que voltaram a fazer parte de alguns grupos pentecostais. Os pentecostais clássicos – entre os quais me incluo – costumam criticar estas práticas, esquecendo que também, por vezes, concedemos poder a certos elementos como óleo e o pão e o vinho da ceia. Sim, porque queimam ou enterram o que sobra dos elementos da ceia depois de consagrados. Conceder poderes especiais ao pão e ao vinho é também uma prática esotérica.
Por haver no AT testamento uma orientação sobre os ingredientes do óleo da unção e do incenso, alguns crentes passaram a crer que o verdadeiro óleo da unção tem de ser de oliva e, se possível, importado de Israel, como se dele emanasse ainda mais poder. Mas, convém afirmar que esses elementos, especialmente o óleo são apenas figuras ou sombras da verdadeira unção. Assim, quando se unge com óleo o poder não está no óleo, mas no Nome de Jesus e na ação do Espírito Santo. Serve, portanto, qualquer óleo. Alguns irmãos trazem água do rio Jordão quando vão a Israel, como se aquela água tivesse em si mesma algum poder. As águas do Jordão estão tão poluídas como qualquer ribeiro da periferia da minha cidade.
Os elementos usados no AT eram sombras do que haveria de vir. O óleo, fala da presença do Espírito Santo. O sal, usado nos sacrifícios, do crente como sacrifício agradável e sal da terra. Os elementos do templo apontavam para a pessoa de Cristo e da igreja. Assim, o candelabro é uma figura da igreja, alumiando. Hoje não há necessidade de se usar esses elementos que eram sobras, porque os tiveram seu cumprimento em Cristo e na igreja. Muitos, no entanto, acreditam no poder do sal, do óleo e da água, elementos que apontavam para o futuro.
Vejamos a questão do sal: “Toda oferta dos teus manjares temperarás com sal; à tua oferta de manjares não deixarás faltar o sal da aliança do teu Deus; em todas as tuas ofertas aplicarás sal” (Lv 3.1). Como cessaram as ofertas e sacrifícios, pois Cristo é o sacrifício perfeito, por que usar o sal como fazem alguns grupos neopentecostais? Este sal colocado na oferta falava de quê?
O comentarista Mathew Henry anos atrás já falava sobre a questão dos sacrifícios. Ele diz:
O sal deveria ser colocado em todas as ofertas. Deus, portanto, exige deles que o sacrifício deveria ter sabor. Todo culto deve ser temperado com a graça. O cristianismo é o sal da terra. Óleo e incenso fazem parte dos sacrifícios. Sabedoria e humildade amolecem e adoçam os espíritos. O incenso fala da mediação e intercessão de Cristo através do qual nosso culto se torna aceitável diante de Deus.
Ora, não se faz necessário aqui provar que os elementos presentes no tabernáculo prefiguravam a obra de Cristo, do Espírito Santo e a igreja, tema implícito nas cartas paulinas. No entanto, apesar de tudo haver se cumprido em Cristo, como afirma o escritor aos hebreus, ainda assim a igreja se deixa judaizar trazendo para o culto os mesmos elementos, como pão sem fermento, o candelabro, faltando, obviamente o incenso, que algumas igrejas trazem para o culto sem problema algum. Cristo é nosso pão sem fermento; o Espírito Santo é o óleo e todos os elementos têm alguma relação com a igreja, a palavra de Deus e a obra de Cristo. Ora, como Cristo é a plenitude de todas as coisas, então não haverá necessidade de se apegar a esses elementos no culto a Deus.
Vejamos, então, alguns exemplos bíblicos de atos proféticos. Estes eram acontecimentos ou realizações em forma de eventos e não como regras ou institucionalização.
Vejamos alguns casos da Bíblia que não podem ser tomados como regras de fé.
1. O manto de Elias. Com ele, Elias dividiu as águas do Jordão. Eliseu, depois que Elias foi arrebatado, tomou o mesmo manto e abriu também as águas do Jordão. O poder não estava no manto, mas no Deus Todo-Poderoso. “Onde está o Senhor, Deus de Elias?”, perguntou Eliseu (2 Rs 2.14). Nas outras vezes em que Eliseu precisou atravessar o Jordão não usou do manto para abri-lo de novo. Eliseu precisava de uma manifestação do poder de Deus para ser aceito pelos demais profetas. Onde os crentes se tornam esotéricos? Quando acham que o poder está no manto ou no paletó de um servo de Deus, numa peça de roupa, etc.
2. Eliseu e as águas de Jericó. Interessante como os líderes esotéricos de hoje na igreja não usam “vasilhas” novas como fazem os da religião afro em seus rituais. Porque Eliseu, ao orar pelas águas de Jericó que eram estéreis usou uma vasilha nova: “Os homens da cidade disseram a Eliseu: Eis que é bem situada esta cidade, como vê o meu senhor, porém as águas são más, e a terra é estéril. Ele disse: Trazei-me um prato novo e ponde nele sal. E lho trouxeram. Então, saiu ele ao manancial das águas e deitou sal nele; e disse: Assim diz o SENHOR: Tornei saudáveis estas águas; já não procederá daí morte nem esterilidade. Ficaram, pois, saudáveis aquelas águas, até ao dia de hoje, segundo a palavra que Eliseu tinha dito” (2 Rs 2.20-22). Ora, o sal e a vasilha nova foram apenas componentes de um ato profético, o poder, de fato, estava em Deus que Eliseu invocou. “Assim diz o Senhor”. Foram as palavras do Senhor que tornaram as águas saudáveis e a terra fértil e não o sal e a vasilha nova. Sim, porque noutra ocasião o sal foi usado para deixar a terra estéril. Eis o contraste (Jz 9.45 e Sf 2.9). “Obviamente que as águas não foram curadas pelo poder do sal”, afirmam os comentaristas, “como se o sal em si mesmo tivesse poder para curar um ribeiro de águas. Foi um ato simbólico que acompanhou a declaração da palavra do Senhor, por isso as águas ficaram boas” (Brown Commentary). O prato novo e o sal falam da consagração das vidas e do “sal da terra” que tornam saudáveis a terra onde o crente vive. Um contraste, porque o sal deixa a água com gosto horrível.
Noutro episódio, quando os discípulos colocaram na sopa que preparavam ramos de uma trepadeira venenosa, Eliseu usou farinha. Por que não usou sal? Nem óleo? Porque o poder da cura está em Deus e não nos elementos. Interessante como ninguém joga farinha no ar nos cultos esotéricos de algumas igrejas. (Ver 2 Rs 4.38-41).
3. Moisés e o tronco de árvore lançado nas águas de Mara. “Afinal, chegaram a Mara; todavia, não puderam beber as águas de Mara, porque eram amargas; por isso, chamou-se-lhe Mara. E o povo murmurou contra Moisés, dizendo: Que havemos de beber? Então, Moisés clamou ao SENHOR, e o SENHOR lhe mostrou uma árvore; lançou-a Moisés nas águas, e as águas se tornaram doces” (Ex 15.23-25). Novamente aqui foi o Senhor quem ordena a Moisés que jogasse certo tronco de árvore nas águas, não que a árvore tivesse em si o potencial de cura, e sim o Senhor. A árvore aponta profeticamente para a cruz de Cristo. Se isto fosse regra – isto é, usar galhos de árvores para curar águas – Eliseu teria seguido o exemplo de Moisés usando uma árvore para tornar potável as águas de Jericó. No entanto, lá ele usou sal.
Moisés, em duas ocasiões bateu com a vara na Rocha. Na vez primeira, Deus ordenou que batesse na rocha, mas da segunda vez, bastava falar à rocha e ela daria água. Acostumado a bater com seu cajado – batera com ele no Egito trazendo pragas, batera nas águas do mar Vermelho e na rocha – Moisés repetiu a cena, mas foi advertido por Deus e perdeu o direito de entrar na Terra Prometida (Compare Êxodo 17.1-7 c/ Números 20.2-13). A simbologia aqui é clara: a primeira vez que feriu a rocha, era uma simbologia da Rocha, ferida na cruz; da segunda vez, bastava apenas falar. Por isso, no cântico que Deus escreveu para o povo em Deuteronômio 32 várias vezes Deus se refere a Rocha (Dt 32.4, 15, 18, 30, 31).
Foi assim com a serpente levantada no deserto. Quem para ela olhasse era curado das picadas venenosas das serpentes. Devido ao pecado do povo serpentes invadiram o acampamento trazendo dor e morte entre o povo. E o Senhor ordenou a Moisés que fizesse uma serpente de bronze, colocasse-a num lugar alto e todo o que era mordido pelas serpentes olhava para a serpente de bronze e era curado (Nm 21.4-9). Era uma figura da obra expiatória de Cristo, fato citado pelo próprio Jesus em João 3.14: “E do modo porque Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna”.
Mas, a inclinação esotérica do povo levou-o a guardar a serpente – que não mais servia para curar enfermidades – e a adorá-la como se fosse um deus. Até os dias de Ezequias a serpente era usada como objeto de adoração pelo povo de Israel. Ezequias “Removeu os altos, quebrou as colunas e deitou abaixo o poste-ídolo; e fez em pedaços a serpente de bronze que Moisés fizera, porque até àquele dia os filhos de Israel lhe queimavam incenso e lhe chamavam Neustã” (2 Rs 18.4). Imagine, quase 835 anos depois a serpente que Moisés levantara estava sendo adorada pelo povo como sendo um deus de bronze.
É comum que pessoas se agarrem a objetos como forma de adoração. Por isso, até hoje a cruz é adorada em vez de ser adorado aquele que nela morreu. Sabemos de irmãos que acham que, batizando-se nas águas do rio Jordão a salvação tem outro sentido. Que o óleo feito em Israel tem mais efeito; que as águas do Jordão são ainda purificadoras. E dão valor esotérico aos elementos da ceia, como se o pão e o vinho adquirissem valor maior depois de consagrados.
Por que os evangélicos e os pentecostais não queimam mais incenso em suas casas nem nos cultos a Deus? Porque entenderam que o incenso queimado no AT era sombra da oração do povo a Deus. Isto é explicado no texto de Apocalipse 8.1-5.
4. Jesus usou lodo e saliva, mas o poder não estava nem no lodo nem na saliva, mas nele mesmo! Se fosse esotérico, cuspir no chão e fazer lodo seria uma prática que os discípulos perpetuariam em seu serviço a Deus.
5. Paulo, o apóstolo enviava seus objetos pessoais que eram colocados sobre as pessoas enfermas e elas eram curadas. Por que fazia isto? Por duas razões: as pessoas não conseguiam chegar até onde ele estava e ele não conseguia ir onde elas se encontravam. Hoje as pessoas não vão aos cultos e enviam seus objetos pessoais para receberem oração, diferentemente de Paulo que usava lenços de uso pessoal. “E Deus, pelas mãos de Paulo, fazia milagres extraordinários, a ponto de levarem aos enfermos lenços e aventais do seu uso pessoal, diante dos quais as enfermidades fugiam das suas vítimas, e os espíritos malignos se retiravam” (At 19.11-12). Em momento algum Paulo fez disto uma regra para curar enfermos e expulsar os demônios. Ao contrário, várias vezes se deparou diante da impotência de curar a enfermidade de seus trabalhadores mais chegados, como Timóteo e Trófimo. Quantas vezes deve ter orado por Timóteo para que este ficasse livre de sua enfermidade e Timóteo não foi curado? Apelou, portanto, para a medicina e o recomendou tomar vinho para as constantes enfermidades do estômago. “Não continues a beber somente água; usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas freqüentes enfermidades” (1 Tm 5.23).
E por que não curou a Trófimo se em Éfeso bastava enviar seus lenços pessoais e as pessoas eram curadas? Porque Paulo não era esotérico e não atribuía poderes aos seus objetos pessoais e sim a Deus. No entanto, viu-se impotente de curar seu companheiro de Jornada ministerial. “Quanto a Trófimo, deixei-o doente em Mileto” (2 Tm 4.20).
A crendice de que os elementos têm poder parece fazer parte da vida dos pagãos, pois o comandante Naamã logo que foi curado de sua lepra decidiu levar sacos de terra de Israel para a Síria para com ela construir um altar de adoração ao Deus de Israel.
Não se vê, no entanto, em qualquer outra parte da Bíblia que leprosos sejam orientados a mergulhar no Jordão sete vezes. Se isto fosse uma prática esotérica Jesus teria orientado os leprosos a mergulharem no Jordão. Mas não o fez. O Senhor Jesus não nos legou quaisquer ensinamentos neste sentido.
Não se vê no Novo Testamento os apóstolos incentivando os irmãos a usarem elementos para sua cura e recebimento de poder, porque o poder não era deles, mas de Deus. O próprio Paulo vivia constantemente enfermo, a ponto de ter de parar na Galácia devido a uma enfermidade. “E vós sabeis que vos preguei o evangelho a primeira vez por causa de uma enfermidade física. E, posto que a minha enfermidade na carne vos foi uma tentação, contudo, não me revelastes desprezo nem desgosto; antes, me recebestes como anjo de Deus, como o próprio Cristo Jesus” (Gl 4.13-14). Paulo pregou o evangelho e, certamente curou os gálatas enfermos, quando ele mesmo não conseguia ser curado de sua enfermidade. Não é isto um mistério? E por que não usou de lenços, de óleo, água e de outros elementos? Porque Paulo não era esotérico; dependia unicamente do poder de Deus e não dos poderes de elementos curadores.
Se houvesse poder nos elementos haveria cura para todos; mas o poder é de Deus e ele decide sobre cada pessoa, se deve ou não ser curada. É da misericórdia dele que dependemos. Alguns acreditam que a epístola aos Romanos foi ditada por Paulo a Tércio, porque Paulo estava quase cego (Rm 16.22). “Vede com que letras grandes vos escrevi de meu próprio punho” (Gl 6.11). Que sua enfermidade era nos olhos fica claro no texto: “Pois vos dou testemunho de que, se possível fora, teríeis arrancado os próprios olhos para mos dar” (Gl 4.15).
Paulo não diz como Epafrodito foi curado de uma enfermidade mortal, mas atesta a cura de seu discípulo: “Com efeito, adoeceu mortalmente; Deus, porém, se compadeceu dele e não somente dele, mas também de mim, para que eu não tivesse tristeza sobre tristeza. Por isso, tanto mais me apresso em mandá-lo, para que, vendo-o novamente, vos alegreis, e eu tenha menos tristeza” (Fp 2.27-28). Epafrodito adoeceu e ficou às portas da morte, e foi curado; diferentemente de Paulo que sofria de uma enfermidade nos olhos e não era curado.
O crente esotérico é aquele que coloca um copo de água sobre o rádio ou sobre a televisão esperando ser curado; a pessoa quando é curada, não deve pensar que foi devido a energia da água, mas ao poder de Deus. Alguns defendem o uso destes elementos por acharem que estes operam como estimuladores da fé das pessoas. Para que incentivar as pessoas a crerem nos elementos, desviando a atenção delas do poder de Deus? Agem da mesma maneira daquelas pessoas que oram a Deus, prostradas diante de uma imagem esperando uma graça. Alcançam-na e atribuem o feito ao poder do santo, esquecendo-se, que, muitas vezes a cura não foi alcançada pela mediação do “santo”, ms pela misericórdia de Deus. Além de que, esta é uma prática que pode induzir a operação do erro permitindo que espíritos enganadores levem a pessoa a crer no milagre do “santo” ou do “elemento”, desviando as pessoas da verdadeira adoração a Deus.
Deus deixou uma orientação clara no AT a este respeito em Deuteronômio 13. “Quando profeta ou sonhador se levantar no meio de ti e te anunciar um sinal ou prodígio, e suceder o tal sinal ou prodígio de que te houver falado, e disser: Vamos após outros deuses, que não conheceste, e sirvamo-los, não ouvirás as palavras desse profeta ou sonhador; porquanto o SENHOR, vosso Deus, vos prova, para saber se amais o SENHOR, vosso Deus, de todo o vosso coração e de toda a vossa alma” (Dt 13.1-3). Este texto não está falando do falso profeta, mas do profeta verdadeiro, porque ele anuncia um milagre e este acontece. Portanto, ele não é falso. Ele é verdadeiro. Quando é que se torna falso? Quando usa do milagre para induzir as pessoas a seguirem outros deuses. Ele passa a atribuir o milagre a uma santa ou santo; a coisas qualquer. Mas o milagre aconteceu, e foi dado por Deus, portanto, a glória deveria ser dada a Deus. Mas ele desvia as pessoas de Deus para outras coisas. Deus não está dizendo que não devem olhar para os milagres que o profeta realiza, mas que o povo não deve ouvir as palavras do profeta quando estas induzirem as pessoas a se rebelarem contra Deus.
Noutra parte de Deuteronômio Deus fala do profeta falso, isto é, daquele que anuncia um milagre e este não acontece. “Se disseres no teu coração: Como conhecerei a palavra que o SENHOR não falou? Sabe que, quando esse profeta falar em nome do SENHOR, e a palavra dele se não cumprir, nem suceder, como profetizou, esta é palavra que o SENHOR não disse; com soberba, a falou o tal profeta; não tenhas temor dele” (Dt 18.21-22).
Assim, pode-se entender que o profeta é falso quando duas coisas ocorrem: O milagre acontece e ele leva as pessoas a crer que o milagre aconteceu por força e graça da santa ou do santo; do óleo santo ou da água ungida, e quando anuncia um milagre em nome do Senhor e nada acontece! Agora, quando ele anuncia o milagre, e este acontece, e a glória é dada a Jesus Cristo, ele é verdadeiramente um profeta de Deus.
Felizmente o Espírito Santo não deixou nenhum modelo de adoração e nenhum objeto a ser adorado, para que a tendência humana de crer em elementos e em objetos não supere o valor da verdadeira adoração e da vida cristã que é feita em espírito e em verdade.
A palavra de Deus serve de equilíbrio da fé e da verdade. Como as pessoas têm a tendência de cair para o lado místico, Deus nos deixou a palavra para nos puxar para o centro. Ocorre o mesmo com as pessoas que desprezam o místico e se apegam à rigidez da letra; o Espírito Santo precisa puxá-los para a mística para que depois encontrem o equilíbrio certo, no centro.
Conclusão:
Até que ponto pode-se utilizar elementos e objetos sem que se caia no esoterismo? Os discípulos perpetuaram a unção com óleo – sem especificar o tipo de óleo – orientando os presbíteros a ungir os enfermos com óleo em Nome do Senhor. “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor” (Tg 5.14). Em nenhum momento Tiago atribui poder ao óleo, mas ao poder do Senhor, quando afirmou: “E oração da fé salvará o enfermo e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (v 15). Ainda que a questão da unção com óleo no NT seja um ensinamento obscuro, pois somente Tiago fala do tema, sabe-se que ele ungia os enfermos com óleo, do contrário não recomendaria tal prática aos presbíteros de Jerusalém.
Assim, é possível ungir enfermos ou usar do óleo para consagrar uma casa ou objetos sem incorrer no esoterismo, usando-o como figura profética da ação do Espírito Santo. Fazer disto uma regra é errado. Se houver uma palavra ou orientação do Senhor que se unja com óleo uma casa deve-se fazê-lo, sem fazer da prática um método infalível, pois é possível usar o óleo em outras ocasiões sem que nada se realize. Pode não haver cura nem consagração.
O esoterismo é quando o uso dos elementos torna-se uma prática dando-se a eles poderes que não possuem. O poder sempre é de Deus.
Algum tempo atrás obedecendo a uma palavra de um líder pentecostal latino-americano equipes saíram por toda a América Latina ungindo os países com azeite e enterrando papeis com promessas de redenção aos povos. É um ato bonito, mas sem o apoio bíblico, porque Jesus não comissionou seus discípulos a irem pelo mundo ungir as nações; nem vemos os apóstolos viajando ungindo os povos.
O Espírito Santo nada deixou registrado quanto a isto no Novo Testamento para que a igreja não se agarrasse a essas práticas. Ele mandou pregar o evangelho e a fazer discípulos de todas as nações. Viajar de carro com garrafões de óleo pingando lentamente pelas estradas é mais fácil do que parar na praça de uma cidade e anunciar o evangelho de Jesus Cristo. Quando se prega o evangelho confrontam-se as trevas e os poderes demoníacos; mas, quando apenas se unge com óleo, mostra-se apenas a intenção de se possuir a terra. Não seria melhor andar pela terra, cumprindo a ordem de que “onde pisar a planta de teu pé será tua?”. Mesmo assim, a missão não estaria completa sem a pregação do evangelho. Abraão teve que percorrer a terra toda como garantia de que Deus a daria aos seus descendentes (Gn 13.17). A posse da terra só seria definitiva se Josué conquistasse toda a terra, por isso Deus lhe disse: “Todo lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo tenho dado, como eu prometi a Moisés” (Js 1.3).
Uma cidade só é conquistada quando alguém se dispõe a viver e a pregar o evangelho iniciando ali uma igreja. É a presença da igreja que muda a sociedade e não um frasco de óleo.

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por João A. de Souza
Fonte: Artigo publicado no site "vida acadêmica"

domingo, 29 de novembro de 2015

Deus ama quem dá com alegria

Muitos pregadores em inúmeras igrejas pervertem o ensina-mento bíblico sobre ofertas e responsabilidades financeiras dos fiéis. Alguns o fazem por ignorância, e outros por simples ganância. Vamos examinar, neste artigo, o ensinamento das Escrituras sobre as nossas ofertas. Depois, consideraremos diversas maneiras que os servos de Deus podem errar o alvo em relação às ofertas e o uso do dinheiro no reino do Senhor.

Um resumo do ensinamento bíblico sobre a oferta
Na época dos patriarcas: Não temos relato de alguma regra sobre ofertas antes da lei de Moisés. Sabemos que a oferta de Abel agradou a Deus, e a de Caim, não lhe agradou. É interessante observar que Deus não achou necessário nos revelar o motivo de seu desprezo. Sabemos que Abrão pagou a Melquisedeque o dízimo (10%) dos despojos de uma vitória militar (Gênesis 14:18-24). Neste caso, também, Deus não nos revelou o motivo e não falou se era ou não o costume de Abrão dar o dízimo de tudo que recebia. Se houve alguma lei atrás disso, exigindo que Abrão desse o dízimo, as Escrituras não a relatam. As pessoas que alegam algum tipo de lei geral do dízimo de tal exemplo estão ultrapassando a palavra do Senhor. Jacó jurou que, se Deus fosse com ele na sua jornada, daria o dízimo depois de voltar (Gênesis 28:20-22). Aqui, o texto se trata de um voto, ou uma obrigação que a própria pessoa assumiu, e nada diz de lei ou dever imposto por Deus (veja a natureza voluntária de votos em Números 30:1-16; Deuteronômio 23:21-23; Provérbios 20:25).

Na Lei de Moisés: Na Lei de Deus dada pela mão de Moisés, o dízimo se tornou obrigação dos israelitas. Eles fizeram, também, várias outras ofertas, diversos sacrifícios, etc. Os dízimos são mencionados em mais de 20 versículos, de Levítico a Malaquias. Todas essas citações se referem ao povo de Israel. No trecho de Malaquias 3:6-12, freqüentemente citado em algumas igrejas, hoje em dia, para obrigar as pessoas a dar o dízimo, podemos ver que um povo material (os israelitas, 1:1) habitava numa terra material (Israel) onde produzia frutos do campo e tinha obrigação de dar os dízimos. Assim fazendo, este povo seria abençoado materialmente por Deus. Quando o povo não deu a devida importância aos dízimos, foi repreendido pelo Senhor por meio do profeta Malaquias. Quem utiliza as palavras de Malaquias para fazer regras sobre dízimos, hoje, está distorcendo as Escrituras. A igreja de Jesus é um povo espiritual que habita no Espírito e recebe bênçãos espirituais. Há, sim, um aspecto material ao nosso trabalho, que será abordado ainda neste artigo, mas temos que reconhecer a diferença entre a igreja do Novo Testamento e o povo de Israel do Velho Testamento. Deus, por intermédio de Moisés e diversos profetas (Hebreus 1:1), revelou a sua vontade ao povo de Israel. Aquela lei (observe que Jesus ensinou que a lei não fosse limitada aos livros de Moisés, veja João 10:34-35) governou o povo de Israel durante 1.500 anos. Hoje, ele tem falado pelo Filho e seus apóstolos, e a sua Nova Aliança é o que governa os cristãos (Hebreus 1:2; 2:1-4; 7:12; 8:6-13; 9:15). Aprendemos muitas coisas importantes das promessas e dos exemplos do Velho Testamento (Romanos 15:4; 1 Coríntios 10:6). Mas, as doutrinas que a igreja ensina e as regras que ela segue vêm da Nova Aliança, e não da Antiga. Quem volta à Antiga para se justificar perde a sua comunhão com Cristo (Gálatas 5:4).

Na Igreja do Novo Testamento: A Nova Aliança coloca a oferta no contexto de um reino espiritual com uma grande e urgente missão. As contribuições feitas na igreja não são impostos pagos num sistema teocrático. No ensinamento dado aos discípulos de Cristo, não encontramos tributação obrigatória. Em contraste com as leis específicas do Velho Testamento, o Novo nos ensina sobre a importância das nossas ofertas para cumprir a missão que Deus deu à igreja. Cada pessoa verdadeiramente convertida a Cristo dará conforme as suas condições por querer participar do trabalho importantíssimo da igreja. No que segue neste artigo, vamos examinar esses ensinamentos sobre as ofertas dos cristãos.

O que Deus pede aos cristãos
Ofertas conforme a nossa prosperidade (1 Coríntios 16:1-2). Embora este trecho trata de uma necessidade específica (os santos necessitados em Jerusalém), ele ensina um princípio importante que ajuda em outras circunstâncias. As necessidades podem ser diferentes, mas a regra de ofertas continua a mesma. Devemos dar conforme nossa prosperidade. Quem não possui nada e não ganha nada não terá condições de ofertar (veja 2 Coríntios 8:12). Mas, qualquer servo do Senhor que goza de alguma prosperidade deve ofertar.

Ofertas feitas com amor e sinceridade (2 Coríntios 8:8-15). Paulo comenta sobre as contribuições dos coríntios: “Não vos falo na forma de mandamento, mas para provar, pela diligência de outros, a sinceridade do vosso amor; pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (versículos 8 e 9). Algumas pessoas, querendo fugir da responsabilidade de ofertar, distorcem o sentido deste trecho: “Está vendo? Não é mandamento Então, eu posso ofertar ou não; não faz diferença” Tal interpretação está totalmente errada por, pelo menos, dois motivos: 

1. Distorce o sentido do versículo. A construção gramatical “Não isso, mas aquilo” é usada várias vezes no Novo Testamento para enfatizar uma coisa, sem negar a outra. É uma comparação de duas coisas, dizendo que uma é mais importante. Assim, a missão de Jesus enfatizava a salvação, sem negar o aspecto de julgamento (João 3:17; 5:22). O homem deve trabalhar para a vida espiritual, sem deixar de sustentar a sua família (João 6:27; 2 Tessalonicenses 3:10; 1 Timóteo 5:8). Paulo pregou o evangelho, mas nunca negou a importância do batismo (1 Coríntios 1:17; Gálatas 3:27). Ele não condenou o uso de vestimentas ou jóias, mas enfatizou o homem interior (1 Timóteo 2:9-10; veja 1 Pedro 3:3-4). Voltando ao texto de 2 Coríntios 8:8, Paulo está dizendo que o motivo maior é o amor, sem negar a responsabilidade já dada por mandamento. 2. O cristão que recusa dar, dizendo que não é mandamento, não mostra o amor que Deus pede. A pessoa que tem prosperidade tem obrigação de ofertar? Sim. Deve fazê-lo principalmente por obrigação? Não. O amor sincero é motivo muito maior. O amor é citado inúmeras vezes nas Escrituras como motivo para nosso serviço. Isso inclui as ofertas.


Ofertas segundo tiver proposto no coração (2 Coríntios 9:7). O amor, a generosidade e a prontidão para a obra do Senhor são características do servo de Deus. Antes de ofertar o nosso dinheiro, devemos nos entregar ao Senhor (2 Coríntios 8:5).

Ofertas feitas para participar da graça de Deus (2 Coríntios 8:1-7). Tendemos a pensar em graças concedidas como bênçãos para nosso próprio consumo. Mas, biblicamente, graças concedidas são oportunidades para servir e glorificar ao nosso Senhor. O privilégio de participar do trabalho do reino de Deus é uma enorme bênção.

Ofertas feitas como sacrifícios agradáveis a Deus (Filipenses 4:17-18). As ofertas do cristão não são apenas o que sobra depois de satisfazer os nossos próprios desejos. Pessoas que sempre querem receber, ao invés de procurar dar liberalmente, não servem a Cristo (veja a repreensão forte de Tiago 4:1-4). Paulo disse que as ofertas são sacrifícios. Dinheiro que poderíamos empregar em outras coisas, até coisas egoístas, será doado para fazer a obra do Senhor.

Ofertas feitas para completar a obra começada (2 Coríntios 8:11). É uma coisa querer fazer uma boa obra. Podemos pensar, planejar, conversar, etc. Mas, uma vez que assumimos compromisso para fazer uma obra, devemos fazer tudo possível para cumprir a nossa palavra. Uma igreja que segue o ensinamento do Novo Testamento naturalmente assumirá compromissos. Além de cuidar dos santos necessitados (veja, além destes trechos nas cartas aos coríntios, os exemplos de Atos 4:32-37; 6:1-7; etc.), uma igreja que entende a importância de sua missão espiritual se dedicará à divulgação do evangelho e à edificação dos santos. Naturalmente, procurará oportunidades para sustentar evangelistas e presbíteros fiéis que se dedicam ao trabalho do Senhor (1 Coríntios 9:4-14; 2 Coríntios 11:8; Filipenses 4:10,15-18; 1 Timóteo 5:17-18). Uma vez que a congregação aceita a responsabilidade de sustentar um desses homens, ela deve se esforçar para completar a obra. Não seria justo pedir para um homem se dedicar ao evangelho, deixando seu emprego ou profissão, só para passar fome meses ou anos depois. Quando o povo na época de Neemias não cumpriu seus compromissos e deixou os servos de Deus desamparados, Neemias o repreendeu fortemente (veja Neemias 13:10-11).

Perguntas práticas
Quando? Em termos de ofertas na igreja, a única passagem que fala sobre quando fazê-las é 1 Coríntios 16:1-2. Cada discípulo viria de casa já preparado para ofertar no primeiro dia da semana, o mesmo dia que reunimos para participar da Ceia do Senhor (veja Atos 20:7).
Quanto? Já observamos que a lei do dízimo fazia parte da Antiga Aliança. Mas, antes de concluir que qualquer ofertinha serve, mesmo sendo uma parte muito pequena de sua renda, considere alguns fatos sobre o nosso serviço a Cristo no Novo Testamento:
  • A missão da igreja na Nova Aliança é maior.
  • As bênçãos em Cristo são muito superiores às bênçãos do Velho Testamento.
  • As coisas de Deus devem ser primeiras nas nossas prioridades.
  • É mais abençoado dar do que receber.
  • Deus ama quem dá com alegria.
Nenhum homem hoje tem direito de estipular para os outros a quantia ou porcentagem da renda que o cristão deve ofertar. Mas, cada discípulo deve pensar bem sobre o privilégio e a responsabilidade de contribuir ao trabalho do Senhor. Uma vez que tudo é melhor na nova aliança, será que Deus quer que demos ofertas menores?

Como aplicado? Dinheiro dado para o trabalho da igreja deve ser aplicado exclusivamente nas coisas que Deus autorizou que a igreja fizesse. Os homens que desviam o dinheiro da oferta para criar ou manter instituições humanas ou outras obras não ordenadas pelo Senhor estão ultrapassando a doutrina dele (veja 1 Coríntios 4:6; 2 João 9).

Administrado por quem? No Novo Testamento, o dinheiro da igreja sempre foi administrado por homens fiéis e responsáveis. No início, os apóstolos recebiam as ofertas (Atos 4:37; 5:2). Mais tarde, os presbíteros recebiam o dinheiro dado (Atos 11:30). Sabemos que o trabalho de administrar, supervisionar e guiar a igreja local cabe aos presbíteros (veja 1 Timóteo 3:5; 5:17). Em Atos 6:1-7, homens sábios, espirituais e de boa reputação foram escolhidos para administrar um aspecto do trabalho da congregação. Quando dinheiro foi levado de uma cidade para outra, mensageiros fiéis foram eleitos nas igrejas, assim evitando qualquer tipo de escândalo (2 Coríntios 8:19-23).
Conclusão
Os seguidores de Cristo gozam do grande privilégio de participar do trabalho do reino do Senhor. Sejamos fiéis em cumprir este compromisso com Deus.


por Dennis Allan
Fonte: Estudos da Bíblia

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O Reino Milenar



Por Rev. Leandro Lima


No momento da vinda de Jesus, ele estabelecerá um reino de mil anos ou o reino eterno? Esse assunto divide os cristãos evangélicos. Nenhum assunto é tão controvertido em teologia do que o Milênio, e nenhum texto causa mais discussão do que Apocalipse 20.1-10.

Entraremos nessa discussão acalorada, porém, não querendo aqui imprimir uma posição intransigente, e até quase fanática, sobre um assunto que diz respeito ao futuro, e do qual ninguém tem certeza absoluta. Há tanta controvérsia sobre este assunto que talvez não consigamos achar duas pessoas que pensem exatamente igual sobre a questão. Há tanta especulação também, que faz com que seja um dos assuntos mais ingratos a se tratar em escatologia.

Trataremos do assunto como precisa ser tratado, ou seja, abordando as principais visões, e emitindo algumas opiniões sobre cada uma delas, e até mesmo assumindo uma posição. No entanto, entendemos que é um assunto que não deveria dividir os cristãos. No final, todos creem que Jesus virá e estabelecerá um reino eterno. A esperança deste reino não deve diminuir, quer exista um reino intermediário, quer não.

Correntes Milenistas

Há basicamente quatro posições em relação ao milênio. São elas: Amilenismo, Pós-Milenismo, Pré-Milenismo Histórico e Pré-Milenismo Dispensacionalista.

O termo “Amilenismo”, como diz Hoekema, “não é muito feliz”[1], porque sugere que não exista um Milênio. Os amilenistas acreditam no milênio de Apocalipse 20, porém, não acham que diga respeito a um reino de mil anos literais que Cristo estabelecerá na terra depois da sua vinda. O Amilenismo entende que o milênio de Apocalipse 20 já está em atividade nesse momento, pois começou com a primeira vinda de Jesus e terminará na segunda vinda com a instauração dos novos céus e nova terra. Por isso, para o Amilenismo, o Milênio não é literal, mas espiritual.

O Pós-Milenismo defende que o Milênio também é antes da segunda vinda, porém, acha que será um tempo de prosperidade e paz advinda da pregação do Evangelho em todo o mundo. Para o Pós-Milenismo, o mundo ser tornará gradativamente um lugar muito bom, onde o mal será reduzido ao mínimo e as nações cooperarão entre si, cristianizando o mundo todo. No final desta era gloriosa, Satanás será solto, e então, Jesus voltará e o destruirá.

O Pré-Milenismo Histórico interpreta literalmente o texto de Apocalipse 20.1-10, e entende que o Milênio será estabelecido na segunda vinda de Jesus, e será um reino de mil anos sobre a terra, onde o Senhor regerá as nações com cetro de ferro, minimizará o mal existente, e estabelecerá uma era de ouro, reinando a partir de Jerusalém. Ao final do Milênio Satanás será solto e convencerá as nações a fazerem guerra contra Jerusalém. Então, descerá fogo do céu e consumirá as nações rebeldes. Em seguida o Senhor estabelecerá o Juízo e o tempo eterno.

O Pré-Milenismo Dispensacionalista se parece com o Pré-Milenismo Histórico em sua expectativa por um milênio futuro e literal, porém, se difere em detalhes específicos. O Dispensacionalismo distingue pelo menos duas vindas de Jesus, a primeira para o arrebatamento dos salvos, e a segunda depois de sete anos de tribulação para o estabelecimento do Milênio. No Dispensacionalismo há um tratamento diferente entre a igreja e Israel. Mesmo no Milênio estes dois grupos serão distinguidos. O Dispensacionalismo entende que a igreja é uma espécie de parêntesis na história de Deus com Israel. Na primeira vinda de Jesus, o Evangelho foi oferecido aos judeus, mas como eles o rejeitaram, Deus o ofereceu aos gentios e formou a igreja, porém no fim, voltará a tratar com Israel. Uma das características principais do Pré-Milenismo, seja Histórico ou Dispensacionalista é a interpretação literal das passagens do Antigo Testamento sobre a restauração de Israel, e também do livro do Apocalipse.

O seguinte quadro nos ajuda a entender as diferenças entre esses quatro sistemas[2]:


Todas as quatro posições acima têm encontrado defensores capacitados, e qual é a verdadeira é uma coisa que só saberemos depois da vinda de Jesus. De qualquer forma, o que pode ser dito brevemente sobre cada uma delas é que o Pós-Milenismo que esteve muito em voga nos séculos passados, depois das guerras mundiais e do avanço da fome e das doenças pelo mundo, caiu em descrédito, uma vez que a sonhada prosperidade parece estar muito longe. O Pré-Milenismo Dispensacionalista é bastante recente, e bastante complicado de se explicar. O maior problema dele é a distinção radical que faz entre Israel e igreja, dividindo a volta de Jesus e a ressurreição em duas ou três etapas. O Pré-Milenismo Histórico é mais sóbrio em sua visão, entendendo que haverá apenas uma vinda de Jesus. O problema desse sistema é o excesso de literalismo. O Amilenismo é, na nossa opinião, o que faz mais justiça ao ensino bíblico.

O Aprisionamento de Satanás

O texto de Apocalipse 20.1-3 descreve o aprisionamento de Satanás. O texto diz:“Então, vi descer do céu um anjo; tinha na mão a chave do abismo e uma grande corrente. Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos; lançou-o no abismo, fechou-o e pôs selo sobre ele, para que não mais enganasse as nações até se completarem os mil anos. Depois disto, é necessário que ele seja solto pouco tempo”. Primeiramente devemos lembrar que este texto foi escrito para cristãos no primeiro século. O que significava para eles? Significava que as coisas não eram como pareciam ser. Enquanto os cristãos morriam diariamente nos circos e anfiteatros romanos, parecia realmente que Satanás estava vencendo, mas João escreve para mostrar que as coisas não são bem assim, elas não são o que parecem ser.

O valente amarrado[3]

Para entendermos o significado de Apocalipse 20.1-3, precisamos voltar ao início do ministério de Jesus. Os fariseus acusavam Jesus de expulsar demônios com o poder do próprio Satanás, por isso Jesus respondeu: “Como pode alguém entrar na casa do valente e roubar-lhe os bens sem primeiro amarrá-lo? E, então, lhe saqueará a casa”(Mt 12.29). A palavra “amarrar” aqui é exatamente a mesma na língua grega usada em Apocalipse 20.2 para “segurar”.

Esta tarefa de “amarrar” ou “segurar” Satanás começou na primeira vinda de Cristo. Quando Jesus enviou os 70 discípulos para pregar o Evangelho, eles voltaram radiantes porque até os demônios lhe eram submissos, então Jesus disse: “Eu via a Satanás caindo do céu como um relâmpago” (Lc 10.17-18). Note que a queda de Satanás é associada à pregação do Evangelho. Do mesmo modo, quando alguns gregos vieram para conversar com Jesus, ele disse: “Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso. E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo” (Jo 12.31-32).

É preciso notar que a palavra “expulsar” no texto grego é exatamente a mesma de Apocalipse 20.3 onde é traduzida como “lançou”. O mais importante, porém, é que com a morte de Cristo e a expulsão de Satanás, Jesus disse que atrairia a si todos os homens. Não apenas judeus, mas também gregos, romanos, chineses, portugueses, brasileiros, etc. Até a primeira vinda de Jesus, apenas Israel conhecia o Senhor, sendo que Satanás prendia as demais nações em ignorância praticamente absoluta.

Mas, com a vinda do Senhor, o poder do diabo foi drasticamente limitado e ele agora já não pode mais enganar as nações, pois não pode impedir a pregação do Evangelho em toda a terra[4]. A única restrição ao Diabo em Apocalipse 20.3 é que ele não pode mais enganar as nações, portanto, o amilenismo entende que Apocalipse 20.1-3 narra, não uma prisão futura de Satanás, mas a restrição que Deus impôs sobre ele com a primeira vinda e Jesus. Foi graças a este aprisionamento que alguns simples galileus do primeiro século, em algumas décadas, conseguiram levar o Evangelho a todo o mundo civilizado.

Hoje, não há um único país que não tenha algum missionário e muitos convertidos ao cristianismo. A Bíblia já foi traduzida em mais de mil línguas. Portanto, o milênio do Apocalipse 20 é a realidade do mundo atual. Ele começou com a primeira vinda de Cristo. Os 1000 anos do capítulo 20 correspondem aos 1260 dias das outras partes do livro, ou seja, o total de anos da dispensação cristã, e é apenas um número simbólico.

Alguém pode dizer: mas como Satanás está amarrado se o mundo está desse jeito? ele está amarrado, mas não completamente impossibilitado de atuar. O que ele não pode fazer, segundo Apocalipse 20.3 é enganar as nações. É dito que após o fim do Milênio ele reúne as nações para pelejar contra a igreja (Ap 20.8). No tempo presente, ele não consegue fazer esse tipo de movimentação de nações contra o povo de Deus[5], até porque, há nações que ainda são cristãs. Além disso, deve ser verificado que nosso Senhor e os Apóstolos empregaram palavras ainda mais fortes do que “prender” ou “expulsar” para descrever a derrota de Satanás que já aconteceu.

Além dos textos que já vimos acima, podemos citar Hebreus 2.14: “Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também ele (Jesus), igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo”. Este texto está dizendo que Jesus destruiu Satanás com sua morte. Esta é uma expressão bem mais forte do que “prender” ou “lançar no abismo”. Diante deste texto, alguém pode negar que Satanás já está destruído? Mas então como ele continua agindo? ele está destruído porque já não tem qualquer chance de vitória.

Colossenses 2.15 também deixa bem claro que Satanás está totalmente derrotado: “E, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz”. A linguagem deste texto é militar. Paulo está comparando o que Jesus fez com Satanás e suas hostes, com o que os exércitos romanos faziam com os vencidos. Naquele tempo, quando um exército vencia o outro, os perdedores eram despojados de todos os seus bens, e às vezes até das próprias roupas. Em seguida eram amarrados e obrigados a desfilar pelas ruas, numa humilhação pública. Jesus despojou Satanás e o humilhou perante todos com sua morte e ressurreição. Portanto, a expressão “prendeu por mil anos” pode significar perfeitamente a obra que Jesus realizou na cruz contra Satanás.

Sequência não-cronológica

Os Pré-Milenistas interpretam o texto de Apocalipse 20 como acontecendo depois da volta de Jesus, porque entendem que o capítulo 20 segue cronologicamente o capítulo 19. Porém, o Apocalipse não é um livro que deva ser lido em ordem cronológica. Narrando coisas que dizem respeito ao fim, João freqüentemente volta aos primórdios do Evangelho a fim de dar o entendimento global da batalha do mal contra o bem.

Ao chegarmos no capítulo 20 do Apocalipse, já fomos informados como praticamente todos os inimigos de Cristo encontrarão o seu fim. Mas, ainda resta um, o pior de todos, Satanás. Sua derrota já foi decretada e anunciada (12.12), mas não foi ainda explicada, pois João deixou esta explicação para o final. João já disse que Satanás perdeu seu lugar no céu, após a batalha com Miguel (Ap 12). O que ele está fazendo no capítulo 20 é demonstrar como foi realmente essa derrota.

Não podemos entender Apocalipse 20-22 como sendo uma continuação do capítulo 19.

Provavelmente a maneira mais correta de interpretar o Apocalipse é entendendo que são descritas sete seções paralelas. É como se João contasse a mesma história pelo menos sete vezes, porém, cada vez, ele acrescenta detalhes que não estavam nas descrições anteriores. É somente no último ciclo, ou seja, quando ele reconta a história pela última vez, que ela fica completa. A divisão que Hendriksen propõe é a seguinte:

A Primeira Seção: “Cristo no meio dos sete candeeiros” (Ap 1-3). 
A Segunda Seção: “A Visão do céu e dos Sete Selos” (Ap 4.1-7.17). 
A Terceira Seção: “As Sete Trombetas” (Ap 8-11). 
A Quarta Seção: “O Dragão Perseguidor” (Ap 12.2-14.20). 
A Quinta Seção: “As Sete Taças” (Ap 15.1-16.21). 
A Sexta Seção: “A queda da Babilônia” (Ap 17.1-19.21). 
A Sétima Seção: “A Grande Consumação” (Ap 20.1-22.21)[6].

De fato no capítulo 20 se inicia uma nova seção que vai descrever outra vez a dispensação cristã como um todo, desde a primeira vinda de Jesus até sua segunda vinda e o juízo final, como fizeram todas as seis seções ou ciclos anteriores. Repare que a segunda vinda de Cristo e o julgamento do mundo haviam sido anunciados em todas as seis seções anteriores.

Veja como o sexto selo na segunda seção descreve o fim do mundo em cores vívidas (6.12-17). Da mesma forma na sétima trombeta da terceira seção, a consumação de todas as coisas é claramente descrita (11.15-19). E este acontecimento é também descrito em 14.14-20 no final da quarta seção, com o acréscimo de detalhes de como será a separação entre os crentes e os ímpios.

Note que neste texto os crentes são ceifados e recolhidos no celeiro, enquanto que os ímpios são pisados como se fossem uvas. Assim também o sétimo flagelo da quinta seção descreve o fim de tudo, mas aqui é pela primeira vez descrita uma batalha antes do fim, a batalha do Armagedom (16.12-21). Mas, a explicação mais clara desta batalha está no final da sexta seção onde o cavaleiro montado no cavalo branco desce para destruir os exércitos do diabo e dos seus aliados. Portanto, João está recontando pela sétima e última vez como é a derrota do mal.

É muito difícil que Apocalipse 20 seja uma descrição do que acontece depois de Apocalipse 19, pois no capítulo 19 já aconteceu a consumação. Os ímpios foram vindimados na batalha do Armagedom e os homens rebeldes foram mortos (19.21). No capítulo 20 a história é recontada a fim de explicar como será destruído o último inimigo, Satanás, e assim, todos os detalhes se completam.

Em defesa desta posição Hendriksen mostra o paralelo que há entre os capítulos 11-14 e 20-22 [7]:


Os Santos reinam

Em seguida, Apocalipse 20.4-6 narra um reinado milenar. Aqueles que seguem uma abordagem cronológica do capítulo 20, dizem que todos estes acontecimentos seguem o 19. Então, na segunda vinda de Jesus, Satanás seria preso, e, em seguida, haveria a primeira ressurreição e os crentes reinariam com Cristo por mil anos na terra. Depois destes mil anos haveria a segunda ressurreição somente dos ímpios para o juízo. Nossa dificuldade com esta interpretação já foi descrita acima. Não cremos que o capítulo 20 seja uma seqüência do 19, mas que recomeça um novo ciclo. Vimos que a derrota e a prisão de Satanás já aconteceram na primeira vinda de Jesus.

Tronos no céu

Mas, há uma dificuldade ainda maior em pensar que o milênio começa com a ressurreição dos crentes. João não diz que vê corpos reinando com Cristo na terra, mas “almas” (Ap 20.4). Ele diz que viu tronos, e sentados nestes tronos aqueles que têm a autoridade de julgar. Quem estão assentados nestes tronos? São as almas que João viu. O texto grego não contém a expressão “vi ainda”, como se fosse um grupo diferente daquele que está assentado nos tronos. Diz simplesmente: “E as almas dos decapitados por causa do testemunho de Jesus e da Palavra de Deus, tantos quantos não adoraram a besta, nem tão pouco a sua imagem, e não receberam a marca na fronte e na mão; e viveram e reinaram com Cristo durante os mil anos” (Ap 20.4).

Note que estas almas estão “vivendo” com Cristo e reinando por mil anos. A expressão “e viveram” (no grego ezesan) não significa necessariamente “e ressuscitaram”, até porque a palavra grega “ressuscitaram” é outra (anastásei). O texto nos diz que as almas dos que morreram estão “vivendo” e reinando com Cristo por mil anos, que é o tempo inteiro da dispensação cristã, desde a primeira vinda de Cristo até a segunda vinda. Além disso, estes tronos certamente devem estar no céu, pois como diz W. J. Grier, “sempre que se faz referência a tronos, no Apocalipse, quer se trate do de Cristo, quer dos de Seu povo, são localizados no céu”[8]. (Ver Ap 4.4).E como dizKistemaker, “o vocabulário de tronos, juízo e almas representa uma cena celestial”[9].

Quando João diz que os restantes dos mortos não reviveram “até que se completassem os mil anos” e chama o acontecimento de “viver” de primeira ressurreição, ele não está dizendo que isso vai acontecer depois do milênio. Aliás, a palavra “reviveram” é a mesma usada para “viveram” no verso anterior. O que João quer dizer é que os mortos sem Cristo continuaram mortos física e espiritualmente, e depois do milênio vão ressuscitar, mas para entrar na morte eterna. Portanto, a primeira ressurreição aqui é o “viver” com Cristo no céu.

Os ímpios não vão “viver” com Cristo no céu até o dia da ressurreição final. Aquele que tem parte na primeira ressurreição (espiritual) vai para o céu, e não precisa temer a segunda morte que é o Lago de Fogo. Nem seria preciso falar algo assim se os cristãos já estivessem com seu novo corpo aqui na terra. Num resumo: “Os que pertencem a Cristo morrem uma vez, porém ressurgem duas vezes (espiritual e fisicamente), enquanto os que o têm rejeitado ressurgem uma vez, porém morrem duas vezes (física e espiritualmente)”[10].

As pessoas que João viu no céu (decapitados como Paulo e João Batista) ascenderam espiritualmente ao céu (primeira ressurreição), e ressuscitarão fisicamente na vinda de Jesus. As pessoas que morrem sem Cristo não vão ao céu (não tem parte na primeira ressurreição), mas ressuscitarão na vinda de Jesus para o grande julgamento.

A situação dos mortos

Um argumento que reforça esta interpretação vem de outras partes do livro de Apocalipse. Devemos sempre lembrar que João está escrevendo para cristãos do primeiro século. Aqueles cristãos estavam sofrendo grandes perseguições. Muitos já haviam morrido por causa do Evangelho. Era natural que a igreja se perguntasse: O que aconteceu com os cristãos que foram martirizados? Deus não vai fazer nada para vingá-los? Em praticamente todas as seções, João dá informações sobre esses mortos.

No capítulo 6, ele diz que viu as almas daqueles que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam. Essas almas estavam debaixo do altar de Deus, e clamavam por vingança. Foi lhes dito que deviam esperar, vestidas de vestiduras brancas, até que se completasse o número dos mártires (Ver Ap 6.9-11).

No capítulo 7, João dá mais informações sobre os mártires. Ele diz que “se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite no seu santuário. E aquele que se assenta no trono estenderá sobre eles o seu tabernáculo. Jamais terão fome, nunca mais terão sede, não cairá sobre eles o sol, nem ardor algum, pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os apascentará e os guiará para as fontes da água da vida. E Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima” (Ap 7.15-17). Ou seja, João está tentando consolar os amigos e parentes das vítimas, dizendo que elas estão numa posição privilegiada.

No capítulo 14, João diz que os mortos no Senhor são “bem-aventurados”, podem descansar de suas fadigas, pois suas obras os acompanham (Ap 14.13). No capítulo 20, ele torna a ver as almas destes mártires, e agora acrescenta que além de estarem num estado de bem-aventurança, estão reinando com Cristo e serão os próprios juízes de seus algozes (Ap 20.4).

Portanto, na sequência lógica do Apocalipse, este texto não está falando coisa alguma sobre um reino literal e terreno de Cristo sobre a terra durante mil anos, mas da situação dos mortos em Cristo no céu, durante todo o tempo da dispensação cristã.

Como já vimos, aqueles que reinam com Cristo por mil anos não são pessoas ressuscitadas fisicamente, mas almas que reinam no céu. Neste ponto, há mais uma dificuldade para a interpretação pré-milenista que é o fato de que o texto localiza apenas dois grupos de pessoas que reinam com Cristo, e são os “decapitados por causa do testemunho de Jesus e os que não adoraram a besta”. Cadê o resto dos crentes mortos?

Além disso, está falando apenas dos que morreram, e se eles ressuscitaram fisicamente, onde estão os vivos que serão transformados? Eles não participam do milênio? Como diz Hoekema, “não há nada dito aqui acerca de crentes que não morreram, mas ainda estavam vivos quando Cristo retornou”[11]. Mas quando lembramos que João está querendo explicar justamente a situação dos mártires, toda dificuldade desaparece.

Números não literais

A interpretação literal dos mil anos no texto não se justifica facilmente. Qualquer pré-milenista sabe, por exemplo, que a corrente que prende Satanás não é física, é espiritual. Portanto, ninguém interpreta isto literalmente. Então, por que o número 1000 deve ser interpretado literalmente? Além disso, porque nessa passagem este número deve ser interpretado de forma literal, se todos os outros números do Apocalipse não são? Por exemplo, será que há sete Espíritos Santos, ou apenas um? (Ap 3.1; 4.5). Será que Jesus é literalmente um Cordeiro que tem sete chifres e sete olhos? (Ap 5.6). Será que correu sangue pela morte dos ímpios por 1600 estádios (296 Km)? (Ap 14.20). Será que a Nova Jerusalém possui 12000 estádios (2219 Km)? (Ap 21.16). Evidentemente que ninguém interpreta estes números literalmente, pois são claramente simbólicos. Mas, então por que o número 1000 teria que ser literal em Apocalipse 20.3-4.

Ainda deve ser considerado que a existência de um milênio literal somente pode ser deduzida do texto de Apocalipse 20.1-4. Nenhum outro lugar na Escritura fala em algo parecido. E como já vimos, Apocalipse 20.1-4 não precisa ser interpretado literalmente. No restante das Escrituras não existe a menor indicação de um milênio intermediário entre a era atual e a era eterna. Jesus, nas parábolas (Mt 13.24-30, 36-43, 47-50; Lc 19.11-27; Mt 25.14-30), e na descrição do julgamento em Mateus 25, não falou de um reino intermediário depois da sua vinda. Ele disse que sua vinda traria o julgamento e o estado final dos homens. A mesma ideia pode ser vista em toda a Bíblia. Sempre que o Novo Testamento fala do futuro não diz que haverá um reino para Israel na Segunda Vinda de Jesus, mas que quando Jesus voltar, será estabelecido o Novo céu e a nova terra (2Pe 3.1-13).

A Última Batalha

Em Apocalipse 20.7-10 há a descrição da rebelião final, onde Satanás reúne as nações para pelejarem contra o Senhor. Que batalha é esta, se no capítulo 19 os inimigos de Cristo já foram destruídos? Que nações são estas cujo número é como a areia do mar, se os homens já foram mortos em Apocalipse 19.21? Na verdade, não são batalhas diferentes, mas duas descrições da mesma batalha. É dito que no fim do milênio, Satanás será solto. Solto de quê? De sua prisão que o incapacitava de enganar as nações a fim de reuni-las contra a igreja de Deus. Note que ele vai seduzir as nações nos quatro cantos da terra.

Que esta é a batalha do Armagedom podemos inferir por causa da referência a Gogue e Magogue. Gogue era o príncipe de Magogue. É dito em Ezequiel 38.2 que Gogue também é príncipe de Rôs, Meseque e Tubal. Estas três regiões ficavam em algum lugar onde hoje é a Turquia. E todo este território foi conquistado depois de Ezequiel pelos selêucidas, principalmente nos tempos de Antíoco Epifânes o mais cruel inimigo dos judeus, que foi governador da Síria. Este homem foi o mais perfeito tipo do Anticristo no Antigo Testamento. Portanto, a referência a Gogue, nesta última batalha, é uma referência novamente às forças do Anticristo que tentarão pelejar contra o Cordeiro.

João não descreve a derrota do Anticristo aqui, porque já a descreveu antes, e agora ele está interessado em descrever a derrota do Dragão, que na mesma batalha do Armagedom na única vinda de Cristo, foi também aprisionado no lago de fogo. O fato de João dizer que a besta e o falso profeta já estavam no lago de fogo (Ap 20.10) significa apenas que ele já havia narrado este acontecimento antes, até porque a besta e o falso profeta são o governo e a religião anticristã de Satanás. João deixou para narrar no fim, a maneira como o Dragão será destruído.

O Cumprimento das Profecias do AT

Talvez a maior razão porque os pré-milenistas insistem num reino literal e terreno de mil anos seja por causa de sua visão das profecias do Antigo Testamento. Como já dissemos, não há qualquer texto que fale em mil anos de reino, mas os pré-milenistas olham para as profecias de Isaías, Ezequiel, Amós, Zacarias e outros, que falam sobre um futuro glorioso para Israel, e imaginam que isto acontecerá numa volta futura de Israel das várias nações ao redor do mundo, para a terra da promessa. Pensam que isto precisa se cumprir literalmente. Nesse sentido, vêem o retorno de Israel para a Palestina após a Segunda Grande Guerra, como um indício do cumprimento histórico das
profecias.

A interpretação amilenista entende que estas profecias se cumpriram literalmente na volta de Israel do cativeiro da Babilônia, ou se cumprem espiritualmente na igreja que é o Israel no Novo Testamento, ou ainda se cumprem no Novo céu e nova terra. Não há a necessidade de um reino milenar para que elas se cumpram.

Primeiramente devemos entender que interpretar literalmente todas as profecias do Antigo Testamento pode conduzir a absurdos. Como nota W. J. Grier, “a própria profecia do Velho Testamento contém uma advertência contra tal literalismo. Deus disse que falaria aos profetas do Antigo Testamento em sonhos e visões e em palavras obscuras (Nm 12.6-8; Os 12.10)”[12]. Por exemplo, quando Ezequiel diz que o povo retornará à sua terra diz que Davi reinará sobre os que voltarem (Ez 37.24). Se isso for interpretado de forma literal, Davi precisaria reencarnar para reinar sobre Israel. E além disso, o que não pode ser esquecido é que muitas profecias proferidas à nação de Israel eram condicionais.

Por exemplo, quando Deus chamou o povo de Israel do Egito lhes prometeu uma nova terra, porém, devido à desobediência deles, foram privados desse benefício (Nm 14.23). Com relação ao próprio reino eterno da descendência de Davi, a promessa era condicional. Davi entendeu isso, pois disse em seu leito de morte ao seu filho Salomão:

"Eu vou pelo caminho de todos os mortais. Coragem, pois, e sê homem! Guarda os preceitos do SENHOR, teu Deus, para andares nos seus caminhos, para guardares os seus estatutos, e os seus mandamentos, e os seus juízos, e os seus testemunhos, como está escrito na lei de Moisés, para que prosperes em tudo quanto fizeres e por onde quer que fores; para que o SENHOR confirme a palavra que falou de mim, dizendo: Se teus filhos guardarem o seu caminho, para andarem perante a minha face fielmente, de todo o seu coração e de toda a sua alma, nunca te faltará sucessor ao trono de Israel." (1Rs 2.2-4).

Do mesmo modo, as promessas de Deus de prosperidade para a nação de Israel estavam condicionadas à obediência. Uma vez que a nação não permaneceu em obediência, Deus não se viu obrigado a cumprir todas as promessas.

Ao considerar algumas das principais profecias do Antigo Testamento, as quais são geralmente usadas para a defesa de um Milênio literal e terrestre, podemos perceber que elas não exigem um cumprimento literal num Milênio. Uma das principais passagens do Antigo Testamento usadas para defender o Milênio é Isaías 65.17-25. Neste texto Isaías fala da restauração de todas as coisas: “Não haverá mais nela criança para viver poucos dias, nem velho que não cumpra os seus; porque morrer aos cem anos é morrer ainda jovem, e quem pecar só aos cem anos será amaldiçoado” (Is 65.20).

Diz que: “A longevidade do meu povo será como a da árvore, e os meus eleitos desfrutarão de todo as obras das suas próprias mãos” (Is 65.22). E diz que naquele tempo: “O lobo e o cordeiro pastarão juntos, e o leão comerá palha como o boi; pó será a comida da serpente. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, diz o SENHOR” (Is 65.25). Os pré-milenistas dizem que esta descrição não pode se referir ao tempo eterno porque há referência a morte e ao pecado. Porém deve ser entendido que Isaías usa figuras de coisas que os homens podem entender, mas está falando dos “novos céus e nova terra”, conforme ele deixa bem claro no verso 17.

E o Apocalipse diz que os novos céus e nova terra compõem o estado final do universo e não o Milênio. Isaías descreve os tempos eternos em linguagem que as pessoas daquele tempo podiam entender. Ele usa expressões que indicam longevidade e prosperidade em linguagem que deve ser entendida figurada e não literalmente.

Outro texto bastante usado para a defesa do Milênio é o capítulo 11 de Isaías. O texto diz que um rebento de Jessé será levantado (vs. 1), o qual terá sabedoria para reconduzir o povo (vs. 2-5). Neste tempo, “o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará (...) A criança de peito brincará sobre a toca da áspide, e o já desmamado meterá a mão na cova do basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do SENHOR, como as águas cobrem o mar” (vs. 6-9). Esta também não é uma descrição do Milênio. Ela se parece bastante com a outra descrição que já vimos acima no capítulo 65, e que Isaías disse pertencer à nova terra e aos novos céus. Isaías está falando de um tempo de perfeição, onde a terra se encherá do conhecimento do Senhor. Isso é muito superior ao que teria que acontecer no Milênio onde ainda haveria povos dispostos a se rebelar contra o Senhor. Dos versos 10-16 Isaías fala da restauração de Israel.

Não podemos entender esta passagem sem lembrar que o povo de Israel foi levado cativo para a Assíria e o povo de Judá para a Babilônia. Isaías diz que o povo voltaria para sua terra. Isto de fato se cumpriu 70 anos depois do cativeiro, quando o povo retornou do Exílio. O verso 16 diz: “Haverá caminho plano para o restante do seu povo, que for deixado, da Assíria, como o houve para Israel no dia em que subiu da terra do Egito”. Este verso teve um cumprimento literal no dia em que Israel voltou do cativeiro.

É evidente que a profecia vai além disso, mas por que pensar num Milênio intermediário se a profecia pode se referir em linguagem figurada aos novos céus e nova terra? Como diz Hoekema, “na há razão obrigatória para entendermos este tipo de passagens do Velho Testamento, de modo a descrever um reino milenar futuro”13. Estas profecias se cumprem no retorno de Israel do cativeiro, na primeira vinda de Jesus, ou finalmente descrevem a nova terra que será estabelecida na segunda vinda de Jesus [14].

O próprio Novo Testamento interpreta profecias que descrevem a restauração de Israel como não literais. Um exemplo basta para perceber isso. Amós 9.11-12 diz: “Naquele dia, levantarei o tabernáculo caído de Davi, repararei as suas brechas; e, levantando-o das suas ruínas, restaurá-lo-ei como fora nos dias da antiguidade; para que possuam o restante de Edom e todas as nações que são chamadas pelo meu nome, diz o SENHOR, que faz estas coisas”. Em Atos 15.14-18 temos a interpretação do cumprimento figurado desta profecia. Tiago entende que se cumpriu quando Deus incluiu os gentios na comunidade do povo de Deus. Portanto, se o próprio Novo Testamento demonstra que as profecias do Antigo Testamento não precisam ser cumpridas literalmente, por que nós deveríamos insistir nisso?

Dificuldades adicionais

Falar num milênio terreno envolve algumas contradições adicionais: Por que razão, depois dos crentes terem ressuscitado ainda teriam que viver mil anos numa terra imperfeita? De certa forma, as coisas não seriam muito diferentes do que são hoje. Somos convertidos e desejamos uma nova era, porém ainda temos que sofrer com este mundo decaído. Imagine pessoas já ressuscitadas ainda tendo que viver numa terra decaída.

Outra coisa estranha é a idéia de que haverá pessoas com corpo glorificado vivendo junto com pessoas sem corpo glorificado. Que tipo de relacionamento poderia existir entre essas pessoas. Umas morrem, outras são eternas. E como podem as nações se rebelarem contra o Senhor depois do milênio na soltura de Satanás? Não terá adiantado nada os mil anos de prosperidade do Senhor na terra? Finalmente, é muito estranha a idéia de haver salvação depois da vinda do Senhor. Como serão salvos os ímpios durante o milênio? Eles terão que ouvir o Evangelho e crer?

A Bíblia diz que fé é acreditar no que não pode ser visto (Hb 11.1), mas naquele momento todos verão Jesus reinando dum trono terreno em Jerusalém. Isto seria injusto, se considerarmos que todos os demais que viveram antes do milênio tiveram que crer com bem menos evidência. Embora não possamos ser dogmáticos, porque o Senhor conduzirá a história segundo seu propósito, estas observações demonstram que a existência de um Milênio literal traz mais complicações do que soluções.

Concluindo, percebemos que há evidências de sobra para não interpretar o texto de Apocalipse 20.1-10 de forma literal. Mas insistimos na tese de que este assunto não deve dividir os cristãos. Ter expectativas diferentes em relação à segunda vinda é melhor do que não ter expectativa alguma. O que importa é que ele virá, e que haverá pessoas o aguardando. Quer naquele momento ele inaugure o milênio, quer inaugure o tempo eterno, de qualquer maneira, estaremos para sempre juntos com o Senhor.

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Notas:
1 Antony Hoekema. A Bíblia e o Futuro, p. 223.
2 O quadro é retirado de Paul Enns. The Moody Handbook of Theology, Tópico: “Amillennialism”.
3 A exposição a seguir segue em linhas gerais William Hendriksen. Mais Que Vencedores, p. 217-225.
4 Ver Simon Kistemaker. Apocalipse, p. 673-674.
5 Ver W. J. Grier. O Maior de Todos os Acontecimentos, p. 126-127.
6 Ver William Hendriksen. Mais Que Vencedores, p. 26-35.
7 William Hendriksen. Mais Que Vencedores, p. 218.
8 W. J. Grier. O Maior de Todos os Acontecimentos, p. 128.
9 Simon Kistemaker. Apocalipse, p. 675.
10 Simon Kistemaker. Apocalipse, p. 680.
11 Antony Hoekema. A Bíblia e o Futuro, p. 244.
12 W. J. Grier. O Maior de Todos os Acontecimentos, p. 36.
13 Antony Hoekema. A Bíblia e o Futuro, p. 274.
14 Outras passagens que podem ser interpretadas neste sentido sem sugerir a idéia do Milênio são: Jr 23.3-8; Ez 34.12-13; Ez 36.24; Zc 8.7-8; Am 9.14-15, etc.

Por Rev. Leandro Lima

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